Antes de estabelecermos as relações que nos parecem relevantes, entre as etimologias e as realidades expressas na toponímia que estamos a tratar, é altura de tecermos algumas considerações sobre as características físicas de alguns destes lugares.
Lumiares corresponde, como vimos, a um lugar da freguesia de Santa Cruz (antiga Santa Cruz de Lumiares), do concelho de Armamar, em zona de planalto e de encontro de caminhos, que ligam esta povoação às sedes das freguesias de Cimbres, Santa Cruz, Santiago, São Martinho das Chãs e São Cosmado. O vértice geodésico homónimo, na freguesia de São Martinho das Chãs, deve ter recebido o nome desta povoação, que lhe fica próxima, ainda que integrada numa outra freguesia. As grafias Lemenares e Lemeares, presentes em dois documentos de 1258, mostram que o topónimo provém do étimo latino limens > liminare-, cujo significado andou confundido com o do latim limite- "caminho, estrada", como se depreende da leitura de um documento de 1105, onde expressamente se diz "per illum liminare que venit de Vallonzel", isto é, "pelo caminho que vem de Vallonzel" (Fernandes, 1999: 398, s.v. "Lumiar"). Na evolução etimológica deste topónimo também encontramos a contaminação com "alumiar", o que poderá indiciar aproximações mitológicas aos fenómenos religiosos que detectámos nos nomes de lugares que referimos a seguir.
Lumiar, na freguesia de S. Vicente, concelho de Chaves, identifica um microtopónimo raiano, no cume de um monte com mais de 650 metros de altitude, junto ao sítio do "Castelo [ou Castro] da Cidadelha", tendo, do lado da fronteira galega e a mais de 700 metros de altitude, respectivamente a Poente e a Norte, os sítios denominados "Lumeares da Cidadella" e a "A Cidadela" (grafia dos dois topónimos galegos recolhidas na Carta Militar, folha 22). Um outro Lumiar empresta o nome a uma pequena povoação da freguesia de Pelmá, concelho de Alvaiázere, também este no alto de um monte, aqui em zona menos acidentada, com cerca de 230 metros de altitude. Temos ainda outro Lumiar, freguesia do concelho de Lisboa, no aro urbano da cidade, em torno de uma colina em cujo topo se ergue a igreja paroquial. Desta série resta-nos a Pedra do Lumiar, em zona montanhosa da freguesia e concelho de Góis, que identifica um vértice geodésico a 874 metros de altitude. Corre-lhe aos pés a Ribeira do Lumiar.
Mais à frente, quando abordarmos as realidades relacionadas com as capelas de invocação de Nossa Senhora da Alumieira, falaremos então do topónimo Alumieira.
Regressando ao concelho de Armamar, em que se integra o lugar de Lumiares, destacamos a grande antiguidade dos oragos das diferentes paróquias, o que, articulado com as datas das respectivas celebrações e a marca de algumas manifestações festivas, como "o grande toco de Natal", que arde na praça ou no adro da igreja, ou as romarias de São Lázaro (com a bênção do gado), de São Gregório e de São Domingos, mostram a cristianização de diferentes cultos pagãos.
No Lumiar do concelho de Alvaiázere não nos foi possível conhecer o orago da igreja ou capela local, mas Pelmá, a freguesia do povoado em apreço, celebra São João Baptista como padroeiro, a festividade cristã que se sobrepôs às comemorações pagãs do solstício de Verão. Por sua vez, a freguesia de Góis, onde se integram a Pedra do Lumiar e a Ribeira do Lumiar, tem como orago Santa Maria Maior, que se festeja a 5 de Agosto, logo a seguir às festividades celtas em honra do deus Lug, "O Luminoso".
Lumiar, no concelho de Lisboa, denuncia um sincretismo mais completo, quando relacionamos os oragos locais com as festividades religiosas e profanas. O orago da freguesia é, mais uma vez, São João Baptista, com festividade a coincidir com o solstício de Verão. Na igreja matriz há também um altar dedicado a Santa Brígida, cultuada antes em capela entretanto desaparecida, que existia nos terrenos actualmente ocupados pelo cemitério. O culto desta santa, pretensamente portuguesa e natural de Lisboa, "martirizada pelos bárbaros no primeiro de Fevereiro do ano 518" (Pereira, 1909: vol. 4, p. 579), que ninguém sabe quem na verdade seja, apoia-se numa relíquia, a cabeça que, no reinado de D. Dinis, para aqui teria vindo, trazida por três cavaleiros irlandeses (ibidem). A lenda, bastante confusa, não explica como é que a cabeça da santa, natural de Lisboa, foi parar à Irlanda. Mas, do que não podemos duvidar é do celtismo irlandês e da importância da deusa Birgit na mitologia céltica, que a Igreja venceu através da cristianização do respectivo culto, substituído por uma santa homónima, a Santa Brígida padroeira da Irlanda.
Em meados do século XIX realizavam-se três feiras anuais no Lumiar, nos meses de Fevereiro, Junho e Agosto, datas que correspondem a três dos principais festivais do paganismo celta. A primeira destas feiras, a de Santa Brígida, que ainda acontecia no princípio do século XX, sobrepunha-se ao Imbolc celta do 1º de Fevereiro, também chamado Oilmec e Candlemas (= Candelária). A festa do fogo ou "Noite de Birgit" acontecia na passagem do dia 1 para o dia 2 de Fevereiro, dia que, no Lumiar, correspondia à comemoração de Santa Brígida, com romaria e bênção do gado, e, no santoral romano, à festa litúrgica em honra de Nossa Senhora da Candelária, também chamada Nossa Senhora das Candeias ou Nossa Senhora da Purificação. O Imbolc celta celebrava o despertar da terra e o poder do Sol, em franco crescimento nesta altura do ano. A deusa Birgit era venerada como a virgem da Luz que anuncia a Primavera, o que nos leva de imediato a Nossa Senhora da Candelária, do latim candela- "círio, tocha, archote", isto é, aquela que alumia, que purifica como o fogo.
A feira de Junho coincidia com as festas celtas do solstício de Verão que, como já atrás dissemos, foram cristianizadas com os festejos sanjoaninos, mas sem se conseguir que o paganismo anterior deixasse de aflorar na parte profana destas comemorações.
Por último, a feira de Agosto poderia corresponder a outro festival celta, o Lughnasadh, as festas que celebravam o casamento de Lug, a festa das colheitas que, na Irlanda, também andava ligada às divindades da fertilidade.
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