sábado, 14 de abril de 2007

Aveiro, um concelho do século XIII

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Não sabemos quando Aveiro conquistou a alforria da dignidade conce­lhia, sendo certo que já a possuía antes de 1245, e que talvez a força das suas gentes, que sobreleva da carta abaixo traduzida, tenha dispensado a legitimação da carta de foral, conclusão a que nos leva o foral manuelino de 1515, quando afirma que «... não se puderam achar nem haver nela [Aveiro] títulos antigos nem forais por onde os direitos reais foram aí postos» (ver Madaíl, 1959: 287).
O documento mais antigo, em que se atribui a categoria de concelho a Aveiro, pertence ao acervo da Torre do Tombo, correspondendo a uma carta de dois dos senhores da vila (ver gravura), os irmãos Aldara Peres e Abril Peres, dirigida aos juízes e concelho de Aveiro, comunicando que doaram a sua parte na igreja de S. Miguel ao Mosteiro de Tarouca (A.N.T.T., Gav. 1, maço 4, nº 21). Exa­rada no verso do pergaminho, em letra do século XIX, talvez da mão de Alexan­dre Herculano, que cita o documento na sua História de Portugal, encontra-se a data de 1238. Mesmo que a data não esteja correcta, esta carta nunca poderá ser poste­rior a Agosto/Setembro de 1245, data da chamada Lide do Porto-Gaia em que D. Abril Peres perdeu a vida. A Torre do Tombo possui ainda outras duas cópias desta carta, que podem ser consultadas nas cotas A.N.T.T. Beira, Livro 2, fl. 295v e A.N.T.T. Ch. de D. Dinis, Livro 5, fl. 74, esta última uma pública forma datada de 1306 e transcrita por Rocha Madaíl (1959: 105-106).

Teor da carta:
«Domna Aldara petri et donus Aprilís petri Judicibus et Concilio de Aaueyro salutem et mandatum nostrum facere. Sapíatís quod nos dedímus et concedímus Abbatj et ffratribus sancti Johannis de Tarouca quicquid habemus uel habere debemus ín Ecclesia sanctj Michael de Aaueyro pró amore dej et saluatione anímarum nostrarum et parentum nostrorum. et mandamus uobis firmiter et etiam rogamus quod intregetis ffratríbus sancti Johannis predictam Ecclesiam et ipsi uobiscum comendabunt eam Alicuj Cleríco. quj benefacíat in ea secundum deum et secundum bonam consuetudínem terre. Si uos non uolueritis facere quod nos mandamus et rogamus magnam Rancuram habebímus de uobis quía uidebitur quod uultís nos exheredare de Ecclesia nostra. et nos non sustinebímus. quía si alíquis Clericus receperit eam de manu uestra. síne consensu predíctorum ffratrum sanctj Johannis expellemus eum ab Ecclesia et de tota Villa. et quicquid eíus inuenerimus ín tota Villa, capíemus et uobis si ausi fueritís talia facere, ínferemus uobis magna grauamina. et non sustinebímus quod factum uestrum aliquomodo stet uel ualeat unquam. Et mandamus istj hominj nostro. S. nomine. latorí presentíum. quod statím recipíat Ecclesiam et Claues Ecclesie et integret eas ffratribus sanctj Johannis. et ipsi dent cuj uoluerint. et si aliquis eos impedierít de nostris hominibus uel grauamen aliquod fratribus fecerit, sít pró inimíco nostro et incoctamus ei totam villam nostram ut pectet nobis. Centum. morabitinos. si ibi inuentus fuerit de cetero

Tradução (por M. Carvalho):
«Dona Aldara Peres e D. Abril Peres, aos juízes e ao concelho de Aveiro, saúde e que cumpram as nossas instruções. Sabei que nós demos e concedemos ao abade e frades de S. João de Tarouca tudo o que temos ou devemos ter na igreja de S. Miguel de Aveiro, por amor de Deus e salvação das nossas almas e de nossos pais. E ordenamo-vos firmemente, e também pedimos, que entregueis a dita igreja aos frades de S. João, e convosco eles próprios a confiarão a um clérigo que nela faça bom serviço, segundo Deus e segundo o bom costume da terra. Se vós não quiserdes fazer o que nós mandamos, teremos grande rancor de vós, porque parecerá que quereis deserdar-nos da nossa igreja, o que não permitiremos, porque se algum clérigo [a] receber da vossa mão, sem autorização dos referidos frades de S. João, expulsá-lo-emos da igreja e da vila inteira, e tomaremos tudo o que dele encontrarmos. E a vós, se ousardes fazer tais coisas, infligir-vos-emos grandes opressões e não permitiremos, de qualquer forma, que a vossa acção se mantenha ou tenha força em qualquer momento. E ordenamos a esse nosso homem, isto é, ao procurador, que, em nome dos presentes, receba imediatamente a igreja e as [respectivas] chaves, e as entregue aos frades de S. João, que as entregarão a quem quiserem. E se algum dos nossos homens os impedir ou exercer alguma opressão contra os frades, que seja [considerado] nosso inimigo e atormentá-lo-emos por toda a nossa vila, se ele aí for encontrado, para que nos pague cem morabitinos.»

bibliografia:
MADAÍL, António Gomes da Rocha, ed. e org. (1959) — Mile­nário de Aveiro: Colectânea de Documentos Históricos. Vol. 1 – 959-1516. Aveiro: Câmara Municipal de Aveiro.

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