No que se refere à sede do concelho, parece que hoje ninguém duvida da impossibilidade fonética de fazer nascer "Gaia" de "Cale", o que nos obriga a procurar outros caminhos.
Almeida Fernandes pretende encontrar Gaia num documento controverso, datado de 922, já referido na nossa primeira postagem, apresentando a leitura "[…] et inde per montem a termino de Colimbrianos usque in Galia" (GEPB, vol. 35, p. 671b). Desta Galia teria nascido a nossa Gaia, por queda do -l- intervocálico. Mas, como já afirmámos na postagem atrás referida, o documento em questão poderá corresponder a uma cópia deturpada e com interpolações, como parece resultar da leitura dos editores do Livro Preto da Sé de Coimbra, que leram Gal e não Galia na passagem transcrita (ver aqui, quinto e último texto em destaque).
Na Chronica Gottorum, no item referente a 1140, era MCLXXVIII (era de César ou era Hispânica), encontramos uma referência a Gaia, sob a grafia Gaye (por Gayae, genitivo):
Eodem quoque tempore venerunt quedam naves exinsperato de partibus Galliarum, plene armatis viris votum habentes ire in Jerusalem, cumque venissent ad Portum Gaye & intrassent Dorium (…) [Inesperadamente, nessa mesma altura, também chegaram alguns navios provenientes das Gálias, cheios de homens armados que tinham feito voto de ir a Jerusalém. E como tivessem vindo ao porto de Gaia e tivessem entrado no Douro (…)](Pimenta, 1982: 35).
Em 1288 será a vez de D. Dinis conceder carta de foral ao Burgo Velho, nos termos do foral de Gaia, ao mesmo tempo que mudava o nome da povoação para Vila Nova de Rei:
loco qui consuevit vocari Burgum vetus, cui imponimus de novo nomem villa nova de Rey" [lugar que era costume chamar-se Burgo Velho, ao qual impomos o novo nome de Vila Nova de Rei].
Quanto a nós, quando falamos de Vila de Gaia, estamos perante uma formação toponímica típica da Reconquista, perante uma perífrase em que a preposição de antecede o nome do possessor da villa. Considerando a origem do antropónimo, é provável que a datação do topónimo recue ao início do século VIII, na sequência das primeiras apropriações feitas pelos conquistadores muçulmanos. Com efeito, esquecemo-nos com demasiada frequência que as tropas muçulmanas, que invadiram a Península em 711, eram constituídas essencialmente por forças berberes, as quais, após a conquista e a distribuição de terras, foram empurradas pelas chefias para o Noroeste peninsular, enquanto árabes, egípcios e sírios ficavam com os territórios mais ricos e integrados nos percursos da economia mediterrânea. Gaya é, ainda hoje, um antropónimo masculino amazigue, que também podemos encontrar no distrito de Faro, sob a forma composta Benagaia (povoação da freguesia de Pêra, concelho de Silves), isto é, "filho de Gaia" (cf. Teres, 1990: 150-151).
"Gaia", na forma simples, derivada ou composta, encontra-se em muitos outros topónimos, um pouco por todo o país, mas, na grande maioria dos casos, serão topónimos relativamente recentes e relacionados com os actuais apelidos Gaia, Gaião, Gaio e Gaioso.
Bibliografia:
DURAND, Robert (ed.) (1971) — Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe-XIIIe siècles). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português. LV, 330 p. (Fontes Documentais Portuguesas; 2).
[FERNANDES, A. de Almeida] — Vila Nova de Gaia. In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa-Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia. Vol. 35, p. 662-682. Obra citada pelas iniciais GEPB.
FORAES DE VILLA-NOVA, E GAYA impressos por ordem da Ill.ma Camara Constitucional. Porto: Typ. De Viuva Alvarez Ribeiro, 1823. [3], 34, [4] p.
PIMENTA, Alfredo, ed. (1982) — Fontes Medievais da História de Portugal. Volume I, Anais e Crónicas. 2ª ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa. XXXII, 335 p. (Colecção Clássicos Sá da Costa).
TERÉS, Elias (1990) — Antroponimia hispanoárabe (Reflejada por las fuentes latino-romances). Ed. Jorge Aguadé, Carmen Barceló y Federico Corriente. Anaquel de estudios árabes. Madrid: Universidad Complutense. Nº 1 (1990), p. 129-186.
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