terça-feira, 4 de dezembro de 2007

CHOROSA e outros fitotopónimos terminados em -OSA

Penso que Gundibaldo terá razão, quando integra o topónimo Chorosa (lugar da freguesia de Febres, concelho de Cantanhede) na série da postagem anterior. Estaremos, tudo o indica, perante um fitotopónimo que qualifica uma região em que, na altura própria, seria notória a abundância de flores.

O mesmo não acontecerá com um outro Chorosa, que identifica umas casas na freguesia da Conceição, no concelho de Tavira. Se não for alcunha de proprietária ou moradora (neste caso com conotações a choro e não a flores), poderá corresponder a um assentamento de pessoas oriundas do lugar homónimo do concelho de Cantanhede. A conclusão assenta no facto do romance moçárabe ignorar a palatalização dos grupos iniciais CL-, PL- e FL-, enquanto a evolução flore- > chor já tinha regredido aquando da conquista do Algarve no século XIII, em parte por acção erudita, em parte para evitar confusão com “choro” e seus derivados.

Aproveitamos para fornecer alguns fitotopónimos com origem na substantivação de adjectivos formados através do sufixo latino -osus, a, um, adjectivos que, originalmente, qualificavam a terra ou terreno, com a noção abundancial. É uma pequena amostra, que pode ser completada com a consulta das Cartas Militares de 1:25000. Pela novidade, chamo a atenção para a entrada “Candosa”.

Abrunhosa
abrunho + -osa; de a- + latim prunum,iameixa” através de *pruneu-

Afeitosa
a- + feto ou feito + -osa; do latim filictu- “lugar onde há fetos

Ameixiosa
ameixia” forma antiga de ameixa + -osa; do lat. *(d)amascina-, por (d)amascéna-, “ameixa de Damasco”

Amieirosa
amieiro
+ -osa; latim vulgar *amoenarìum, de amoena (arbor)árvore amena

Brunhoso
brunho
+ -oso; do latim prunum,iameixa” através de *pruneu-; ver também Abrunhosa

Cadavosa
de
cádava + -osa; “cádava: conjunto de troncos de árvores e de pés de mato, que permanece de pé após as queimadas” e que serve para lenha. Origem desconhecida.

Candosa
de candano + -osa (candanosa > candaosa > candosa, com todas as formas documentadas); *candano (> candão > “cando”), terá sido um apelativo que entretanto se perdeu, mas que continua vivo num vasto conjunto de topónimos portugueses e galegos, entre os quais podemos destacar Canda, Candaídos, Candaira, Candais, Candal, Candam, Candanedos, Candanes, Candão, Candaria, Candedo, Candedos, Candeeira, Candeeiras, Candeeiro, Candeeiros, Candela, Candelhe, Candelo, Candieira, Candieiras, Candieirinha, Candieiro, Candieiros, Cando, Candos, Candosa, Candoso, etc. Para Almeida Fernandes (1999: 135-137) o vocábulo *candano seria «de raíz pré-romana cand-, relativo aos terrenos rochosos» (idem, p. 136).

Pela nossa parte, considerando a importância do xilocombustível na vida material das sociedades pré-industriais, inclinamo-nos para uma raíz indo-europeia, que integraria estes nomes na fitotoponímia. Com efeito, em asturiano encontramos a voz cándana, “cana grande e seca, especialmente quando fica branca por se ter queimado”; encontramos também a fala cándanu, com o significado de «ramo seco de qualquer árvore, que caia ao chão; ramo seco esbranquiçado; cana seca; árvore seca”. Para legitimar a opção indo-europeia e a respectiva semântica, relacionada com a madeira como combustível, podemos recorrer à raíz sânscrita cand "brilhar" (Huet, 2007: 143), da qual deriva o verbo latino candere “queimar, estar em brasa, aquecer até se tornar branco, brilhar de brancura”, enquanto lembramos a existência dos vocábulos sânscritos candana “árvore ou madeira de sândalo” (ibidem) e skandha “tronco de árvore” (idem, p. 436).

Carvalhosa
de
carvalho + -osa; região coberta de carvalhos. Discute-se a origem desta fala, por certo pré-romana. Em 958 já aparece documentada sob a grafia carbalio.

Edrosa, Edroso
do latim *hederosa, *hederosu, de hedera > héera > hera; ver também Odrosa

Encinosa
de enzinha + -osa; região coberta de azinheiras. Do latim vulgar ilicína feminino derivado do latim clássico ílex, ìcis “azinheira” (árvore).

Ervedosa
de êrvedo + -osa; região coberta de medronheiros. Do latim *erbìtu-, por arbùtu-, “medronheiro”.

Espargosa
de espargo + -osa; região coberta de espargos. Do latim asparagu-, e este do grego άσπάραγος “espargo”.

Falgarosa, Falgaroso
de felga/*falga + -eira + -osa; região coberta de fetos. Do latim *filica (de filix) > felga (=feto)

Falgueirosa, Ribeira de
de felga/*falga + -eira + -osa; em região coberta de fetos. Do latim *filica (de filix) > felga (=feto)

Feitosa
de feto ou feito + -osa; do latim filictu- “lugar onde há fetos”; ver também Afeitosa

Folgosa
de felga + -osa; região coberta de fetos. Do latim *filica- (de filix) > felga (=feto). *Felgosa > Folgosa por assimilação.

Freixosa
de freixo + -osa; região coberta de freixos. Do latim fraxinu- “freixo”

Funchosa
de funcho + -osa; região coberta de funchos. Do latim fenuculu-, por feniculu- “funcho”

Gestosa
de giesta + -osa > gestosa, por crase a desfazer o hiato (prevaleceu o -e-); região coberta de giestas. Do latim genesta- ou genista- “giesta, giesteira”

Gistosa
de giesta + -osa > gestosa, por crase a desfazer o hiato (prevaleceu o -i-); região coberta de giestas. Do latim genesta- ou genista- “giesta, giesteira”

Juncosa
de junco + -osa; região onde abunda o junco. Do latim juncu- “junco”

Lourosa
de louro + -osa; região onde abundam os loureiros. Do latim lauru- (> louro) “loureiro”

Matosa
de mata + -osa; região coberta de plantas silvestres de porte diverso. Do latim tardio matta- “esteira de junco; porção de plantas que cobre certa porção de terreno”; o vocábulo “mata” já ocorre no século VI, na Península Ibérica.

Matagosa
de mata + -g- + -osa; região coberta de plantas silvestres de porte diverso. Do latim tardio matta- “esteira de junco; porção de plantas que cobre certa porção de terreno”

Murtosa
de murta + -osa; região onde abunda a murta, “designação comum a várias plantas de diferentes géneros e famílias, especialmente do género Myrtus, Myrcia e Eugenia, da família das mirtáceas. Do latim murta-, por myrta-, do grego μύρτος

Odrosa
por Edrosa, do latim *hederosa, de hedera > héera > português “hera”. Ver Edrosa

Ortigosa
de ortiga (=urtiga) + -osa; região abundante em urtigas. Do latim urtica- “urtiga”

Pampilhosa
de pampilho + -osa; região abundante em pampilhos, “nome vulgar extensivo a várias plantas (em especial à também chamada malmequer), da família das Compostas, algumas das quais muito frequentes em Portugal”. Do latim *pampiniculus- ? (< pampinu- “parra, folhagem da videira” + -iculus, sufixo nominal diminutivo)

Sabugosa
de sabugo (=sabugueiro) + -osa; região em que abundam os sabugueiros. Do latim sabucu- “sabugueiro”

Teixosa
de teixo + -osa; região abundante em teixos, “designação comum às árvores e arbustos, perenes e dióicos, do género Taxus, da família das taxáceas. Do latim taxu- “teixo”

Zambujosa
de zambujo (=zambujeiro) + -osa; região coberta por mata de zambujeiros. Do hispano-árabe az-zabbúdj “oliveira brava”

Bibliografia
FERNANDES, A. de Almeida (1999) – Toponímia Portuguesa: Exame a um dicionário. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 251 p. ISBN 972-9474-09-5.
GALMÉS DE FUENTES, Álvaro (1983) –
Dialectología mozárabe. Madrid: Editorial Gredos. 380 p. ISBN 84-249-0916-X.
HUET, Gérard (2007) –
Héritage du Sanskrit: Dictionnaire sanskrit-français. Versão 223. Em linha no endereço http://sanskrit.inria.fr/Dico.pdf. (26 de Novembro de 2007).

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

CHORENSE, CHORENTE, CHORIDA, CHORIDO, CHORIO, CHORIOS, CHURIA

Em Portugal:
CHORENSE
(freguesia do concelho de Terras de Bouro); CHORENTE (freguesia do concelho de Barcelos; região na freguesia de Rabal, concelho de Bragança); CHORIDA (vértice geodésico, a 1087 metros de altitude, na freguesia de Candemil, concelho de Amarante); CHORIDO (casas na freguesia de Nespereira, concelho de Gouveia; região na freguesia de S. Vicente, concelho de Abrantes); CHORIO (casas na freguesia de Rossas, concelho de Arouca); CHORIOS (região na freguesia de Roge, concelho de Vale de Cambra); CHURIA (casas na freguesia de Caparrosa, concelho de Tondela); PONTE DO CHORIDO (ponte na freguesia de S. Pedro, concelho de Gouveia).

Na Galiza:
CHORIDE (lugar na freguesia de Figueredo, concelho de Cesuras); CHORENTE (vários lugares e uma freguesia); CHURIZ (lugar da freguesia de Caraño, concelho de Pol); A CHURÍA (lugar da freguesia de Muíño, concelho de Zas); CHURÍO (freguesia do concelho de Irixoa)


Ao contrário do que faço habitualmente, procurei o topónimo CHORIOS na Carta Militar 1/25000 inscrevendo todas as suas letras na janela de «Pesquisa livre». Daqui resultou uma única ocorrência, que tratei na postagem anterior.
A achega de Calidónia levou-me a nova pesquisa, agora a partir de «chori» e churi», o que revelou outras ocorrências, do que poderão ser topónimos com o mesmo étimo, derivados do substantivo latino flore- “flor” > «chor», agora com algumas incursões na antroponímia, confirmando a interpretação aventada na última postagem. Vejamos!

CHORENSE, que deveria grafar-se «Chorence», corresponde a um antropotopónimo, formado a partir do nome do possessor de uma antiga «vila», no caso uma villa Florentii (genitivo de Florentius). O patronímico deste nome aparece-nos num documento de 1018, grafado Florenci (Livro Preto da Sé de Coimbra, vol. 1, p. 256).

CHORENTE, com ocorrências em Portugal e na Galiza, corresponde, como o anterior, a um antropotopónimo, formado a partir do nome do possessor de uma propriedade, fosse ela um fundus, um vicus ou uma villa. Nalguns dos múltiplos casos identificaria uma villa Florenti (genitivo de Florentus).

CHORIDE, na Galiza, é um outro antropotopónimo que, por certo, identificaria uma villa Floridi ou Floridii (genitivos respectivamente de Floridus e de Floridius). No Livro Preto da Sé de Coimbra, em vários documentos dos séculos XI-XII, encontramos este antropónimo, sob as grafias Floridi, Florido, Florit, Florite, Floriti, Florito. Na Galiza está atestada a forma Floridius. Não esqueçamos que estas grafias estão alatinadas, já que estamos perante documentos escritos em latim medieval. No linguajar dos íncolas o grupo consonântico fl- já teria dado lugar a ch-. A regressão posterior deve-se a formação erudita, na maioria dos casos de responsabilidade eclesiástica.

CHURIZ, na Galiza, corresponderá certamente a um outro antropotopónimo, que identificaria uma villa *Flori(d)ici ou *Florici (genitivos respectivamente de *Floridicus e de *Floricus, hipocorísticos de Floridius e de Florus).

Os topónimos CHORIO e CHORIOS estão explicados na postagen anterior, com CHORIDA e CHORIDO a atestar a forma intermédia, antes da queda do -d- intervocálico. Almeida Fernandes também faz derivar estes topónimos do latim flore-, quando estuda a ocorrência «Chorio» no concelho de Arouca. As grafias CHURIO, CHURIA e CHURIZ mais não fazem que acompanhar a evolução da pronúncia popular, em que o o do latim vulgar passa a u antes do i da sílaba seguinte (Huber, 1986: 64). Atente-se como o povo pronuncia “flurido” em vez de “florido”.

Em nossa opinião não há nada que possa legitimar a origem destes topónimos na “família chorro/jorro”, não só pela difícil evolução -rr- > -r-, mas também porque aquelas onomatopeias do castelhano só entraram no português na segunda metade do século XVI.

Bibliografia:
COSTA, Avelino de Jesus da; VENTURA, Leontina; VELOSO, M. Teresa (eds.) (1977-1979) – Livro Preto da Sé de Coimbra. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra. 3 vol. Citados por LP-1, LP-2 e LP-3.
EGU – Enciclopedia Galega Universal. Ed. de Bieito Ledo Cabido. Vigo: Ir Indo Edicións, 1999-2006. 16 vol. ISBN 84-7680-288-9.
FERNANDES, A. de Almeida (1999) –
Toponímia Portuguesa: Exame a um dicionário. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 251 p. ISBN 972-9474-09-5.
FERNANDES, A. de Almeida; SILVA, Filomeno (1995) –
Toponímia Arouquense. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 576 p. ISBN 972-9474-13-3. Vide p. 72-73, s.v. “Chorio”.
HUBER, Joseph (1986) –
Gramática do Português Antigo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. XV, 417 p.
LIVRO PRETO da Sé de Coimbra. (1977-1979) Ed. de COSTA, Avelino de Jesus da; VENTURA, Leontina; VELOSO, M. Teresa. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra. 3 vol. Citados como LP-1, LP-2 e LP-3.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

CHORIOS

CHORIOS (freguesia de Roge, concelho de Vale de Cambra)
O topónimo há-de ser antiquíssimo, com formação nos primórdios do galaico-português, aquando da palatalização, genuinamente popular, dos grupos consonânticos cl- > ch- (ex: clamare > chamar), fl- > ch- (ex: flamma > chama) e pl- > ch- (ex: plaga > chaga).
O que ele esconde é que será mais difícil de descobrir. Falta-nos o testemunho do documento medieval que poderia abrir alguma pista. Fiquemos pela aparências da forma actual.
Poderemos estar perante a substantivação de um adjectivo que qualificasse o terreno ou campo. Se fosse Cheiras, Chieiras, Chairos, Chaira, Chairas, etc., teria origem no adjectivo latino planarius, -a, -um "aplanado", com total correspondência na orografia local.
Mas, para CHORIOS, só vislumbro uma explicação, um antigo adjectivo derivado de chor (antigo português, forma popular de "flor", do latim flore-, ainda viva na Galiza). Refiro-me a *choridos (= floridos), que daria "chorios" depois da queda do -d- intervocálico.
Também poderemos estar perante um substantivo, se considerarmos a voz galega chorida para a flor do tojo ou da giesta. Neste caso a fala "Chorios" corresponderia a um campo de tojos e giestas.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

CHECOSLOVÁQUIA: 20 de Agosto de 1968

K. au poteau!

Choro por ti, Checoslováquia,
caminhos de assombros,
encruzilhada de medos
terra calcada por todos os ditadores do Erro,
chave da Europa à mercê dos ladrões!
Que culpa terás de ser mais evoluída?!

de teres a capitação de 1200 dólares,
e, a URSS, a de 980 apenas?...
Choro por ti, Checoslováquia,
irmã gémea e lutuosa do Vietname, —
os dois pinhais da Azambuja!
Meu amigo Zdenek,
que traduziste o Camões e o Eça,
e vieste ao meu encontro numa rua de Aveiro,
só porque tinhas, lá longe,
um mau retrato meu! —
Que posso fazer pelos teus?!
Choro por ti, Checoslováquia,

vítima da cupidez nazista
e dos seus post-justiceiros, — os filisteus estalineptos!
Se tiver de morrer «errado»,
morrerei como tu, Checoslováquia,
socialista socialienado!...
Foram cem os erros (já) do socialismo!?
Fossem cem mil — e socialistas seríamos!
Choro por ti, Checoslováquia:
manda que o faça o futuro!,
exige que o reprima o presente,

ironia trágica e pútrida!
Escarro vivo

de cintilantes sóis,
noite gelada
de rumorosa manhã…

Fátuo ser
!
Poteau...
K!

Mário Sacramento, 1968


1968: «PRIMAVERA DE PRAGA» Quando a Checoslováquia pretendeu enveredar por um socialismo de rosto humano, atento às liberdades individuais, a URSS e os tanques do Pacto de Varsóvia responderam com a invasão de 20 de Agosto de 1968. Mário Sacramento deixou a sua amargura nas páginas do seu Diário, que viria a ser publicado em 1975, exprobrado desses escritos. As páginas «censuradas», em que se inclui o poema K. au poteau! foram publicados em 1990 no semanário O Jornal, por vontade expressa da viúva de Mário Sacramento [Sacramento, Mário – K. au poteau! O Jornal (5 Jan.1990) p. 31].


Interpretação do título do poema:

Коммунизм [Kommuniem «comunismo»]

Au poteau! À morte! (grito de ameaça)

Poteau du condamné; poteau d'exécution: poste a que se amarra alguém que vai ser fuzilado.

No poema corresponde ao sentido figurado da expressão mettre [ou exposer] quelqu'un au poteau, isto é, expor alguém ao desprezo público, à indignação pública.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

ANDOEIROS: o barro das marinhas de Aveiro

ANDOEIRO (microtopónimo da freguesia de S. Bernardo, concelho de Aveiro), ANDOEIROS (microtopónimos nas freguesias de Esgueira e Vera Cruz do concelho de Aveiro), AGRA DOS ANDOEIROS (na freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro), ENCOSTA DOS ANDOEIROS (na freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro) RUA DOS ANDOEIROS (no lugar das Agras, freguesia da Vera Cruz, concelho de Aveiro).

«Andoeiro», de «ândoa» + -eiro, é o sítio onde existe a «ândoa», apelativo aveirense para uma espécie de barro azulado que se extraía junto à Ria e servia para aplicar no fundo dos cristalizadores das marinhas. Os dicionários registam a forma «andoa» que não aparece em Aveiro, sendo certo que esta fala é uma loquela da salicultura aveirense, não aflorando em nenhuma outra região do País, nem nas restantes línguas românicas.
A voz «andoa», que os nossos dicionaristas consideram de «origem obscura», poderá ser uma forma regressiva do verbo «andoar», e não a origem deste verbo, geralmente explicado como uma formação de «andoa + -ar».
A nossa conjectura assenta no facto de fazer pouco sentido a permanência de uma voz para «barro», circunscrita à zona das marinhas de Aveiro, sem que lhe encontremos uma possível etimologia, mesmo a nível de substratos.
Em nossa opinião estamos perante uma metonímia, em que um verbo, designando uma determinada operação da safra salineira, passaria a designar o material utilizado, através de um novo substantivo, obtido desse mesmo verbo por derivação regressiva.
O dicionarizado «andoa», sendo paroxítono, exigiria a forma *andona, o que a fala proparoxítona aveirense dispensa, pelo que o nosso ponto de partida, para tentar encontrar uma possível origem para esta fala, será a voz «ândoa», como se pronuncia localmente (Dias, 1996: 24).
E, para chegarmos ao nosso objectivo, nada melhor que dar a palavra a um profundo conhecedor das saliculturas nacional, internacional e aveirense em particular, para que a voz do especialista** nos explique o que seria esse «andoar»:

A operação denominada andoar, consiste em estender uma camada fina de andoa por sobre o fundo dos cristalisadores, um pouco gretado pela retracção do terreno, apezar das repetidas circiadellas que se lhe deram. Para se andoar uma salina pulverisa-se primeiro o barro sobre o pavimento duro das eiras, e leva-se em seguida para a parte superior dos meios de baixo, onde os marnotos fazem com elle caldeirinhas, casulas, que enchem com a água dos meios de cima. N’esta água dilue-se a própria andoa até ficar em massa muito rara. Chegada a este ponto dá-se com ella uma barrela aos cristalizadores; quer dizer, estende-se pela sua superfície em camada muito fina. Tal é a primeira operação que se pratica no dia em que se deita a marinha (Alcoforado, 1877: 64; mantivemos a grafia do original).
Enriquecidos pelas explicações de Maia Alcoforado, estamos agora melhor preparados, para procurar uma resposta credível, que ilumine a obscuridade dos nossos dicionários.
O latim popular carregou-se de neologismos que, em muitos casos «são formações derivadas com auxílio de prefixos e sufixos», neste último caso com recurso privilegiado aos sufixos diminutivos. Isto mesmo acontece em relação aos verbos, frequentemente alargados por meio dos sufixos -ulare, -icare, -itare e -escere. Foram fenómenos deste tipo os responsáveis, por exemplo, da substituição do latim clássico miscere «misturar» pelo latim popular misculare (Vasconcelos, 1977: 245), precisamente o tipo de formação que irá explicar o verbo «andoar» da loquela marnoteira, cuja grafia correcta, como veremos, deveria ser «anduar».
Quanto a nós, «andoar» provirá do latim *pandulare (<pandere «estender»), depois da aférese do p- inicial, que podia resultar do cruzamento de *panduar com «andar», e da queda do -l- intervocálico. Teríamos, assim, *(p)andu(l)ar(e) > «anduar», com a grafia correcta, donde, por derivação regressiva, teria saído a fala «ândua» e não «ândoa», referida ao material usado pelos marnotos na operação de «anduar» [estender a andar, andar a estender], acima descrita por Alcoforado. A aférese do p- também podia atribuir-se ao substrato celta, mas não podemos esquecer que o lusitano é uma das poucas línguas célticas, ou pré-célticas, a preservar o p- inicial (Schmitd, 1985: 338).
Na Figueira da Foz esta operação é designada pelo verbo «barrar», de «barro» + -ar (Nogueira, 1935: 83).

ALCOFORADO, M[anuel] da Maia (1877-1878) – A indústria do sal. Museu Technologico. Lisboa: Lallement Frères Typ. N.º 2 (Jul.1877) a N.º 7 (Jan.1878), p. 29-124.
DIAS, Diamantino (1996) – Glossário: Designações relacionadas com as marinhas de sal da Ria de Aveiro. Aveiro: Câmara Municipal. 97 p. ISBN 972-9137-24-2.
GEPB: ver Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
GRANDE ENCICLOPÉDIA Portuguesa e Brasileira. Lisboa-Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [1935-1960]. 40 vol.
NOGUEIRA, R. de Sá (1935) – Subsídios para o estudo da linguagem das salinas. Lisboa: [s.n.]. p. 75-144, [2], [8 ilust.]. Separata de «A Língua Portuguesa», vol. 4.
SCHMIDT, Karl Horst (1985) – A contribution to the identification of Lusitanian. In HOZ, Javier de, edit. – Actas del III Coloquio sobre lenguas y culturas paleohispanicas (Lisboa, 5-8 Noviembre 1980). Salamanca: Ediciones Universidad. p. 319-341.
VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de (1977) – Lições de Filologia Portuguesa: segundo as prelecções feitas aos cursos de 1911/1912 e de 1912/1913, seguidas das lições práticas de português arcaico. Lisboa: Dinalivro, [1977]. 441 p.


** Manuel da Maia Alcoforado, o autor a que nos referimos, foi um brilhante aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que não ascendeu à cátedra por entretanto ter sido vítima de doença grave. Foi o fundador e autor da revista Museu Technologico, tendo falecido antes de poder terminar o programa que impusera a si próprio. A maior parte dos números publicados tratam da salicultura nacional e estrangeira, com especial aprofundamento da de Aveiro, onde tinha salinas, e da de outras regiões do País que expressamente visitou, mostrando o significado que para ele tinha a ciência (vd. GEPB, 15: 954-955, s.v. «MAIA ALCOFORADO, Manuel da»).

sexta-feira, 6 de julho de 2007

DOSSÃOS, LAÇÕES, DEZA, DOZÓN, PORTO DO SON [Porto Dozón]

DOSSÃOS (freguesia do concelho de Vila Verde, distrito de Braga); LAÇÕES (lugar da freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro).
DEZA (comarca e rio da Galiza); DOZÓN (lugar da freguesia de Dozón, concelho de Dozón, província de Pontevedra; freguesia do concelho de Dozón; concelho da província de Pontevedra); PORTO DE SON (lugar da freguesia de Noal, concelho de Porto de Son, província da Corunha; concelho da província da Corunha).

Pede-me um leitor que interprete a origem do topónimo “Lações”, actualmente inserido na área urbana da cidade de Oliveira de Azeméis, no distrito de Aveiro. A pesquisa efectuada, e a sua ligação a “Dossãos”, permitem-me dar mais uma achega à postagem publicada por Calidónia no seu blogue, no passado dia 2 de Maio.

No Minho, identificando uma freguesia do concelho de Vila Verde, no distrito de Braga, temos o topónimo Dossãos que deveria ser Doçãos, se considerarmos as ocorrências registadas documentalmente: Dezaos em 1220 e 1258; Duçães em 1290; de Çãaes [por Doçãaes] em 1320; Daçaaes em 1371; Doçãaos em 1400 e 1424; Doçãos em 1528 (Costa, 1959: vol. 2, p. 180).
Na freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, no distrito de Aveiro, temos também um "Lações" que é uma evolução popular de Doçãos, correspondendo ao topónimo Dezanos que aparece citado num documento de 922 (LP-1, p. 120; DC25), entre Vila Chã e as vilas de Santiago de Riba-Ul e Oliveira. A sequência textual facilita a identificação dos topónimos, que se integravam no território de Abranca (actual Cristelo, na freguesia da Branca?):

«De Abranca alias ecclesias prenominatas Sancto Petro de Villa Plana cum suos dextros integros et suas adiectiones. Et villa de Dezanos per suos terminos antiquos et sua ecclesia vocabulo Sancti Michaelis et suos dextros integros. Et in Ripa de Ul ecclesia Sancti Iacobi et suos dextros integros et villa Olivaria ecclesia vocabulo Sancti Michaelis cum suos dextros integros et suas adiectiones.»

Tradução: «[Do território] de Branca [Cristelo, freguesia da Branca] outras igrejas chamadas São Pedro de Vila Chã [Vila Chã de S. Roque, freguesia que ainda hoje tem S. Pedro por orago], com os seus destros [ou passais, correspondendo a parcelas de terreno cultivadas pertencentes à paróquia] íntegros [livres de quaisquer encargos] e as suas pertenças. E a vila de Dezanos [actual “Lações”], pelos seus termos antigos e a sua igreja chamada S. Miguel, e seus destros íntegros. E em Riba de Ul a igreja de S. Tiago [actual Santiago de Riba-Ul] e seus destros íntegros e na vila [de] Oliveira [de Azeméis] a igreja chamada de S. Miguel [continua a ser o orago desta freguesia] com os seus destros íntegros e as suas pertenças.»

Com alguma lógica, A. de Almeida Fernandes (1999: 245, s.v. “Doções”) considera que estes topónimos têm por base dezanos, o gentílico do território medieval galego de Deza, actual comarca do mesmo nome, apontada como origem dos migrantes fundadores das duas povoações portuguesas, uma no território portucalense (“Dossãos”) e a outra na terra de Santa Maria (Dezanos, actual “Lações”).
Curiosamente, a evolução d- > l-, detectada na passagem de Dezanos a “Lações, é um fenómeno que encontramos episodicamente na evolução do latim arcaico para o latim clássico, como nos casos de dacruma > lacrima “lágrima”, dautia > lautia “presentes oferecidos aos embaixadores”, dingua > lingua “língua”. Também se verificam alguns casos em que -d- e -l- alternam em formas com uma origem comum, como no latim odor “odor” e olor “olor” (de oleo), udus “húmido” e uligo “humidade”, sedeo “eu estou sentado” e solium “assento, trono” (por alternância vocálica) (Niedermann, 1945: 119-120).
A ligação da terra portucalense ao território de Deza comprova-se por documentos do século X como, por exemplo, os números 66 e 76, respectivamente dos anos 952 e 959, dos
Portugaliae Monumenta Historica: Diplomata et Chartae, envolvendo uma permuta de propriedades entre Bermudo Afonso e sua tia Mumadona Dias, a fundadora do mosteiro de Guimarães. Esta senhora tinha propriedades «que sunt territorio galatie in Valle Deza» (doc. 66, ano 952), bens identificados (doc. 76, ano 959) como «villa de Portus in Dezza» (Herculano, 1867: 38 e 46), possivelmente o actual Porto de Carrio, na freguesia de Losón, concelho de Lalín, comarca de Deza.

Quanto ao topónimo Deza, corónimo de um território medieval, actual comarca galega, mas também um hidrotopónimo que identifica um rio da mesma região, já o encontramos em documentos suevos do século VI, como sejam as actas do concílio de Lugo de 569, em que aparece o Comitatus Deza, e do concílio de Braga de 572, com uma descrição pormenorizada dos termos do Comitatus Decensis (Risco, 1796: 343 e 347), uma clara manifestação da organização administrativa dos germanos. É por isso de rejeitar a opinião expressa na EGU (vol. 7, p. 264) de que a comarca e o próprio rio teriam recebido o nome dos senhores de Deza; o contrário é que é historicamente válido.
A interpretação que encontramos para a voz
Deza faz recuar o topónimo aos primeiros indo-europeus que teriam chegado ao local, aí estabelecendo o seu território. A ligação indo-europeia não a encontrámos em nenhuma das actuais falas célticas, mas sim na vetusta língua sânscrita em que a voz deśá significava «localidade, terra de naturalidade, lugar; região, província, país, nação».

Resta-nos o problema dos topónimos galegos Dozón e Porto do Son (uma infeliz tradução de Dozón) [Porto de Doçon > Porto de Oçon (queda do -d- intervocálico) > Porto d'Oçon (resolução da crase) > Porto Doçon] . No sânscrito encontramos as falas dāśa ou dāsa, com o significado de “pescador, barqueiro”, que poderiam responder ao topónimo costeiro, mas que não se ajustam às condições geográficas de Dozón. A única probabilidade que nos parece razoável, tendo em conta os elementos recolhidos, centra-se no possível nome do possuidor, que poderia ser um Donazano, antropónimo que encontrámos num documento datado de 1001 (LP-3: 179) e que, em galaico-português, evoluiria perdendo os dois -n- intervocálicos.

COSTA, Avelino Jesus da (1959) ─ O Bispo D. Pedro e a Organixação da Diocese de Braga. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade. 2 vol.
COSTA, Avelino de Jesus da; VENTURA, Leontina; VELOSO, M. Teresa (eds.) (1977-1979) ─
Livro Preto da Sé de Coimbra. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra. 3 vol. Citados por LP-1, LP-2 e LP-3.
EGU – Enciclopedia Galega Universal. Ed. de Bieito Ledo Cabido. Vigo: Ir Indo Edicións, 1999-2006. 16 vol. ISBN 84-7680-288-9.
FERNANDES, A. de Almeida (1999) — Toponímia Portuguesa: Exame a um dicionário. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 576 p. ISBN 972-9474-13-3.
HERCULANO, Alexandre (ed.) ─
Portugaliae Monumenta Historica: a saeculo octavo post christum usque ad quintumdecimum. Diplomata et Chartae. Lisboa: Academia Scientiarum, 1867-1873. 564 p. Citado por DC + número do documento.

LIVRO PRETO da Sé de Coimbra
. (1977-1979) Ed. de COSTA, Avelino de Jesus da; VENTURA, Leontina; VELOSO, M. Teresa. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra. 3 vol. Citados como LP-1, LP-2 e LP-3.
NIEDERMANN, Max (1945) ─
Précis de phonétique historique du latin. Nouveau tirage. Paris: Librairie C. Klincksieck. 279 p.
RISCO, Manuel (1796) ─
España Sagrada: Tomo XL. Antiguedades de la ciudad y S.ta Iglesia de Lugo [...]. Madrid: en la oficina de la viuda é hijo de Marin, 1796. [12], 432 p.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Migrantes, emigrantes, imigrantes

Como os Galegos, também os Portugueses são um povo de emigração que, como tal, sente ou já sentiu na carne a exploração denunciada nestes versos de Rosalía Castro, a grande senhora das letras galegas. Bom seria que os portugueses rejeitassem essa exploração, quando os oprimidos são os imigrantes que nos escolheram na procura de melhores condições de vida, muitos dos quais são vítimas de uma feroz gatunagem, por parte de gentalha sem escrúpulos.

Castellanos de Castilla,
tratade ben ó
s gallegos;
cando van, van como rosas;
cando vén, vén como negros.

─ Cando foi iba sorrindo,
vando veu, viña morrendo
a luciña dos meus ollos,
o amantiño do meu peito.

Aquel máis que neve branco,
aquel de doçuras cheyo,
aquel por quen eu vivía
e sin quen vivir non quero.

Foi a Castilla por pan,
e saramagos lle deron;
déronlle fel por bebida,
peniñas por alimento.

Déronlle, en fin, canto amargo
ten a vida no seu seo...
¡Castellanos, castellanos,
tendes coraçón de ferro
!

¡Ay!, no meu corazonciño
xa non pode haber contento,
que está de dolor ferido,
que está de loito cuberto.

Morreu aquel que eu quería
e para min n-hai consuelo:
solo hai para min Castilla,
a mala lei que che teño.

Permita Dios, castellanos,
castellanos que aborreço,
que antes os gallegos morran
que ir a pedirvos sustento.

Pois tan mal coraçón tendes,
secos fillos do deserto,
que si amargo pan vos ganan,
dádesllo envolto en veneno.

Aló van, malpocadiños,
todos de esperanzas cheyos,
e volven, ¡ay!, sin ventura,
con un caudal de despreços.

Van probes e tornan probes,
van sans e tornan enfermos,
que anque eles son como rosas,
tratádelos como negros.

¡Castellanos de Castilla,
tendes coraçón de aceiro,
alma como as penas dura,
e sin entrañas o peito!

En trós de palla sentados,
sin fundamentos, soberbos,
pensás que os nosos filliños
para serviros naceron.

E nunca tan torpe idea,
tan criminal pensamento
coupo en máis fátuas cabezas
ni en máis fátuos sentimentos.

Que Castilla e castellanos,
todos nun montón a eito,
non valen o que unha herbiña
destes nosos campos frescos.

Solo peçoñosas charcas
detidas no ardente suelo,
tés, Castilla, que humedezan
esos teus labios sedentos.

Que o mar deixoute olvidada
e lonxe de ti correron
as brandas auguas que traen
de prantas cen semilleiros.

Nin arbres que che den sombra,
nin sombra que preste alento...
Llanura e sempre llanura,
deserto e sempre deserto...

Esto che tocou, coitada,
por herencia no universo,
¡miserable fanfarrona!...
triste herencia foi por certo.

En verdad non hai, Castilla,
nada como ti tan feyo,
que inda mellor que Castilla
valera decir inferno.

¿Por qué aló foches, meu ben?
¡Nunca tal houberas feito!
¡Trocar campiños frolidos
por tristes campos sin rego!

¡Trocar tan craras fontiñas,
rios tan murmuradeiros
por seco polvo que nunca
mollan as bágoas do ceo!

Mais, ¡ay!, de onde a min te foches
sin dór do meu sentimento,
y aló a vida che quitaron,
aló a mortiña che deron.

Morreches, meu quiridiño,
e para min n-hay consuelo,
que onde antes te vía, agora
xa solo unha tomba vexo.

Triste como a mesma noite,
farto de dolor o peito,
pídolle a Dios que me mate,
porque xa vivir non quero.

Mais en tanto non me mata,
castellanos que aborreço,
hei, para vergonza vosa,
heivos de cantar xemendo:

¡Castellanos de Castilla,
tratade ben ós gallegos;
cando van, van como rosas;

cando vén, vén como negros!.

Rosalía Castro, 1863 (in Cantares Gallegos)

postado

sexta-feira, 1 de junho de 2007

AVEIRO - IMAGENS DE UM SÉCULO

apresentação do livro em AVEIRO:
1 JUNHO | 6.ª FEIRA | 21H30
na BIBLIOTECA MUNICIPAL DE AVEIRO
Apresentação da obra por Jorge Seabra

AVEIRO - IMAGENS DE UM SÉCULO

Do espólio de coisas de Aveiro deixado por João Sarabando

Jorge Sarabando - organização, introdução e notas

"Este livro ajudará certamente a conhecer melhor Aveiro e a sua região, os percursos do seu desenvolvimento, o modo como a mão do homem lavrou a terra e a água. Ajudará a compreender como a beleza de uma paisagem é também a de quem a olhou e fixou num momento único e cuidou de guardar a imagem obtida, para que outros mais tarde partilhassem a mesma emoção, a mesma alegria ou assombro, ou, quem sabe, o fio de um pensamento." Jorge Sarabando


João Sarabando (1909-1996)

Jornalista, etnógrafo, com várias obras publicadas e colaboração dispersa em inúmeros títulos de imprensa, desportista, dirigente associativo, João Sarabando é uma figura de referência obrigatória para quantos desejam conhecer e estudar a história da região de Aveiro e a sua gente.
Desde muito jovem e até aos seus últimos dias, foi um cidadão empenhado nos grandes movimentos cívicos - participou na organização dos três Congressos Democráticos, no MUD e nas campanhas eleitorais contra a ditadura, tendo sido perseguido pela antiga polícia política. Depois do 25 de Abril, foi candidato do PCP à Assembleia Constituinte e desempenhou as funções de vereador da Câmara Municipal de Aveiro, entre 1974 e 1976.
Foi distinguido pela Câmara com a medalha de prata da cidade, e pelo jornal 'A Bola', onde colaborou durante dezenas de anos, bem como por várias associações desportivas do distrito de Aveiro.

144 pp. | 20x22 cm | ISBN: 978-989-626-166-6 | Fora de Colecção | PVP: 18.90 €

(Newsletter da editora, in http://www.campo-letras.pt/newsletter_aveiro.html)

terça-feira, 22 de maio de 2007

Aido e Eido: o mesmo étimo.

A voz “eido”, do latim aditu-, “entrada para um edifício ou um lugar”, designa um quinteiro ou quintal junto a uma casa, uma pequena propriedade, anexa à casa principal da exploração agrícola, geralmente ocupada com pomar ou plantas hortícolas.
A evolução aditu- > "aido" > “eido” resultou da queda do -d- intervocálico e da sonorização -t- > -d-. Em português coexistem as formas “aido” e “eido”, o que não acontece em galego, onde apenas encontramos a segunda.
A permanência do ditongo /ai/, que no galego-português evolui para /ei/, poderá explicar-se por assentamentos moçárabes, cujos falares conservaram os ditongo /ai/ e /au/ (Lapesa, 1991: 176).
No concelho de Aveiro, é notável a propagação da voz “aido”, na microtoponímia e como apelativo, designando uma “pequena propriedade junto à casa”, tanto mais que nunca aqui encontramos a fala “eido”, forma muito mais prolífica no galaico-português e a única presente na toponímia galega, se exceptuarmos as duas ocorrências de O Aido na província da Corunha.

Portugal, concelho de Aveiro (são todos microtopónimos; entre parênteses as respectivas freguesias):
Aidinho (Requeixo), Aido de Baixo (Eirol), Aido do Bicho (Nariz), Aido do Carocho (Requeixo), Aido de Cima (Nariz), Aido do Cosme (Requeixo), Aido do Couteiro (Aradas), Aido do Entrudo (Eixo), Aido da Fonte (Cacia), Aido do Garrido (Aradas), Aido da Igreja (Eirol), Aido do Machinho (Cacia), Aido do Marco (Oliveirinha), Aido Maria Morais (Eirol), Aido do Padre (Nariz), Aido do Pereira (Nariz), Aido da Poça (Eirol), Aido do Queirós (Aradas), Aido do Remédio (Oliveirinha), Aido do Roque (Oliveirinha), Aido do Silva (Glória), Aido(s) da Velha (Nariz), Aido Velho (Eirol), Aidos (Esgueira, Nariz, Oliveirinha, Requeixo e Vera Cruz), Aidos de Azurva (Esgueira), Aidos da Capela (Esgueira), Aidos de Cilha (Nariz), Aidos de Cima (Requeixo), Aidos do Porto de Ílhavo (Nariz), Aidos da Torre (Cacia), Aidos de Verba (Nariz), Aidos da Vessada (Nariz), Cabeço dos Aidos (Aradas), Cabo dos Aidos (Aradas), Castro dos Aidos (Oliveirinha), Lavouras de Trás-dos-Aidos (Oliveirinha), Serrado de Trás-dos-Aidos (Aradas), Trás-dos-Aidos (Aradas, Eixo, Glória, Oliveirinha e Requeixo).

Portugal (ocorrências registadas na Carta Militar 1:25 000; entre parênteses os respectivos concelhos):
Aido (concelhos de Barcelos, Castelo de Paiva, Cinfães e São Pedro do Sul), Aido d'Além (Albergaria-a-Velha), Aido de Baixo (Vale de Cambra), Aido de Cima (São Pedro do Sul), Aidos (Trofa e Vila Nova de Gaia), Azenha do Aido (Estarreja), Cabeço do Aido (Cantanhede), Chã do Aido (Cinfães), Quinta do Aido (Marco de Canaveses).
Baixo do Eido
(concelho de Ponte de Lima), Cabo do Eido (Arcos de Valdevez), Casa Abrigo da Pena do Eido (Ponte da Barca), Costa do Eido (Ponte da Barca), Eido [concelhos de Amarante (4), Amares, Arcos de Valdevez (2), Baião (2), Barcelos (4), Braga (2), Castro Daire (2), Celorico de Bastos (3), Felgueiras (2), Guimarães (4), Lamego, Mesão Frio, Monção, Ponte da Barca (2), Ponte de Lima, Vila Real e Vizela], Eido de Baixo [Barcelos, Fafe, Felgueiras, Ponte de Lima (2), Vieira do Minho], Eido de Cima (Amarante, Barcelos, Ponte de Lima, Valença), Eido do Marzagão (Braga), Eido Novo (Valença), Eido Velho (Ponte de Lima), Eidos [Barcelos (2), Felgueiras, Fornos de Algodres, Guimarães (3), Marco de Canavezes, Vila Verde (2)], Entre o Eido (Paredes de Coura), Quinta do Eido (Lousada), Ribeira do Eido (Vila Real), Vale do Eido (Guarda).

Galiza (ocorrências registadas no Nomenclátor de Galicia)
O Aido (paróquia de Rois, concelho de Rois, Corunha), O Aido (paróquia de Luou, concelho de Teo, Corunha);
Eido de Lamas, Eido de Ribeira, Eidobispo, Eidos, Eidos de Limia, Eidos de Riba, Eidos Vellos, Entreeidos, O Eido, O Eido da Tendeira, O Eido de Abaixo (2), O Eido de Arriba (3), O Eido de Baixo, O Eido de Caneiras, O Eido do Crego, O Eido do Macho, O Eido do Monte, O Eido Fernández, O Eido Gonzalo, O Eido Vello (5), O Medio do Eido, O Val do Eido, Os Eidos (8), Os Eidos de Abaixo (4), Os Eidos de Arriba (2), Os Eidos do Medio, Riba do Eido, Viso dos Eidos.

bibliografia:
LAPESA, Rafael (1991) – Historia de la lengua Española. Prólogo de Ramón Menéndez Pidal. 9ª ed. corrig. e aum; 7ª reimp. Madrid: Editorial Gredos. 690 p. (Biblioteca Románica Hispánica/Manuales; nº 45). ISBN 84-249-0072-3.