segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Vila, Vilar, Vilarinho: partes e derivados

As villae, "vilas", foram introduzidas no Noroeste da Hispânia no tempo de Augusto. Eram grandes explorações agrícolas, já divididas em duas partes, uma cultivada directamente pelo proprietário, através de servi, dirigidos por um feitor, enquanto a outra parte se fraccionava em parcelas, distribuídas por homens livres ou por servi que as agricultavam isoladamente.
Dentro destes latifúndios havia várias construções, entre as quais a villa urbana, residência temporária ou permanente do proprietário -- o dominus "senhor, dono, senhor da casa" -- que, no Noroeste ibérico, se denominava palatium (> Paaço > Paço) ou o seu diminutivo palatiolum (> Paaçolo > Paçô).
Nas proximidades do palatium — a casa do dominus — estendia-se a chamada villa rustica, fechada em torno de um eido ou eirado, onde se encontravam todas as outras instalações de apoio à actividade agrícola, como os aposentos dos servi, os celeiros, arrecadações para as alfaias e as cortes do gado.
Mais afastadas, em grupo ou isoladamente, erguiam-se as pequenas casae, "casas", dos camponeses das parcelas independentes. Eram casas de vários tipos, umas cobertas de telha ou de colmo, outras pequenas cabanas, de construção mais precária e pobre. Estas habitações camponesas eram conhecidas por casarii, vindo a designar, a partir do século IV, a globalidade da fracção distribuída a cada família, e os marcos que delimitavam essas parcelas chamavam-se casales. Com o andar do tempo, o casarius (> "caseiro") veio a designar o caseiro ou rendeiro, enquanto os casales (> "casais") deixam de ser sinónimo de marcos, para denominar a parcela que individualizavam.
A crescente fragmentação da villa trouxe outras denominações para as respectivas subunidades, designadas no Noroeste hispânico por casale- (> casal), quintana- (> quintã) ou quinta- (> quinta), villare- (> vilar) e villarinu- (> vilarinho) que, na Alta Idade Média, se tinham já transformado em prédios independentes (Sampaio, 1979, v.1: 67-75).
A evolução destas fracções veio, na Baixa Idade Média, a alterar o sentido de muitas destas falas. Assim, a "Vila", do latim villa-, passou a designar um povoado de dimensão equivalente às nossas aldeias e pequenas vilas; "Vilar", do latim villare-, foi no baixo-latim um adjectivo derivado de villa, que acabou substantivado, significando aldeola ou lugarejo; "Vilarinho", do latim villarinu-, de villare- + ‑inu-, sufixo diminutivo, nomeou igualmente uma pequena aldeia ou lugar. "Casal", do latim casale- que, como vimos, designava primitivamente os marcos de uma parcela agrícola, passou a significar essa mesma unidade agrícola, na sua totalidade, incluindo a casa e as terras, e o plural “Casais” (do latim casales) acabou por indicar também um pequeno lugar, um lugarejo.
Em 1527, quando em Portugal se fez o primeiro numeramento ou contagem dos fogos, na área do actual município de Aveiro havia as vilas e concelhos de "Aveiro", "Esgueira", "Eixo" e "Arada", com diferentes graus de autonomia, o que se reflectia nos poderes e tipos de magistraturas locais, para que eram eleitos os cidadãos mais ricos e influentes, os chamados “homens bons” dos alvores da nossa nacionalidade. Entretanto, a vila de Aveiro tinha saltado as muralhas mandadas construir pelo infante D. Pedro, estendendo-se para Norte, a Vila Nova dos mareantes e pescadores, documentada desde 1431, e para Sul, o Cimo de Vila documentado desde 1556 e a condizer com a topografia local.
Todas estas "vilas" estavam, em 1527, sujeitas a autoridades senhoriais que, por isso mesmo, aqui arrecadavam diferentes rendas e alcavalas: Aveiro pertencia a D. Jorge de Lencastre, filho natural de D. João II, Mestre de Santiago e Duque de Coimbra; Esgueira pertencia ao Mosteiro de Lorvão (no cível) e à Coroa (no crime); Eixo estava nesta altura na posse da Coroa, passando mais tarde para a Casa de Bragança; Arada pertencia ao Mosteiro de Grijó, de que era prior o bispo de Safim.
Para além das abundantes ocorrências de todos estes topónimos, essencialmente no centro e norte de Portugal, encontrámos no concelho de Aveiro as formas a seguir enumeradas que, nalguns casos, pelo menos a nível da microtoponímia, já terão desaparecido debaixo das numerosas urbanizações dos últimos anos:
Casal (nas freguesias de Aradas, Cacia, Eixo, Esgueira e Requeixo);
Casais (nas freguesias de Eirol e Esgueira);
Paço (nas freguesias de Cacia, Eixo e Esgueira);
Quinta (várias, em expressões toponímicas, nas freguesias de Aradas, Cacia, Eirol, Eixo, Esgueira, Glória, Oliveirinha, Requeixo, Vera Cruz, Nossa Senhora de Fátima, Santa Joana, São Bernardo e São Jacinto);
Quintã (várias, nas freguesias de Aradas, Cacia e Requeixo);
Quintal (em Quintal da Eira, microtopónimo da freguesia de São Bernardo);
Quintarola (microtopónimo da freguesia da Vera Cruz);
Quintas (nas freguesias de Aradas, Cacia, Eixo, Esgueira, Nariz, Oliveirinha e Nossa Senhora de Fátima);
Quintãs (nas freguesias de Nariz, Oliveirinha e Requeixo);
Quintela e Quintilha (microtopónimos da freguesia de Eixo);
Vilar (lugar da freguesia da Glória, na área da extinta freguesia do Espírito Santo, documentado desde 1446);
Vilarinho (lugar da freguesia de Cacia, documentado desde 1106).

Bibliografia:
BARROS, Henrique da Gama (1945-1954) – História da administração pública em Portugal nos séculos XII a XV. 2ª ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa. 11 vol.
SAMPAIO, Alberto (1979) – Estudos históricos e económicos: 1.As vilas do norte de Portugal; 2. As Póvoas marítimas. Lisboa: Editorial Vega. 2 vol. (Documenta Historica; nº 2 e 3).

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