segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Antroponímia e toponímia (2)

O demorado processo de romanização trouxe um novo quadro antroponímico e toponímico ao Noroeste da Península Ibérica, ao mesmo tempo que a velha onomástica indígena tendia a desaparecer ou a diluir-se na nova.
Com a entrada dos primeiros povos "bárbaros", assiste-se a novas mudanças na onomástica, na sequência da apropriação de terras levada a cabo pelos recém-chegados.
O fenómeno começou por ser bastante limitado, o que se explica pelo pequeno número de Suevos e aliados que entraram na Península no início do século V, quando comparados com a população hispano-romana.
O mesmo aconteceu nos finais do mesmo século, quando os Visigodos anexaram o reino suevo e começaram a estabelecer-se na Hispânia, calculando-se o seu número entre cem e cento e cinquenta mil, para uma população hispano-romana que deveria variar algures entre os sete e os doze milhões de indivíduos. O assentamento dos Godos não decorreu de forma pacífica, pois deparou com a oposição das elites urbanas das províncias, principalmente da Bética e da Lusitânia, de certa forma responsáveis pela sua instalação sobretudo no centro da Península, abarcando um território que coincidia grosso modo com as actuais províncias de Segóvia, Madrid, Toledo, Palência, Burgos, Sória e Guadalajara, com a capital na cidade de Toledo.
O sistema da hospitalitas*, que presidiu à apropriação de terras por parte dos Visigodos, também não terá contribuído para grandes alterações toponímicas, pois quase não afectou a pequena propriedade, muito mais numerosa que o latifúndio.
À semelhança do que acontecia noutras partes da Europa, onde se desenvolveram reinos germânicos, também na Península Ibérica, à medida que o reino visigótico se estruturava e estendia a sua máquina administrativa, decalcada no sistema herdado de Roma, a antroponímia germânica foi ganhando incremento e partidários, revestindo o carácter de uma verdadeira "moda", mesmo com os casamentos mistos a continuarem tão raros como antes, já que ambas as comunidades eram regulamentadas por ordenamentos jurídicos específicos.
Até ao século VIII tudo se conjuga para que a influência visigoda seja bastante diminuta, para o que também terá contribuído o facto de terem entrado na Península já bastante romanizados. Para além dos factores atrás enunciados convém destacar a instabilidade permanente, manifestada nas lutas políticas e civis entre candidatos ao trono ou entre eleitos e usurpadores, mas também nas revoltas e rebeliões em diferentes pontos da Hispânia, tanto a Sul, onde se destaca a prolongada cisão de Córdova, como a Norte, onde o reino Visigodo nunca conseguiu impor o seu domínio, nomeadamente entre os Bascos que, alcandorados nas suas montanhas, lograram manter a independência e o seu paganismo, controlando os territórios de Navarra, Alava, Biscaia e Guipúscoa.
Estes factos, aliados às permanentes revoltas em vários pontos da Hispânia, patentes nas campanhas militares de diferentes reis, quase sempre dirigidas para a Narbonense ou para o Levante e Su-sueste ibérico, deixaram grande parte da Península entregue às magistraturas civis, exercidas por hispano-romanos.
A nosso ver, a sucessão de crises políticas, sociais e financeiras, que sacudiram o reino Visigodo durante quase toda a sua existência, o descentramento da sua capital em relação à finisterra atlântica, como também os interesses históricos do reino, sempre ligados à Septimânia e aos portos do Nordeste, deixaram o caminho aberto à influência do Estado Suevo no Noroeste hispânico, mesmo após a sua anexação em 585, já depois da sua reconversão ao catolicismo, no reinado de Teodomiro (559-570).
Doravante, a presença de Toledo na faixa ocidental far-se-á sobretudo através das magistraturas civis e dos bispos visigodos, cujo número, na Galécia e na Lusitânia, é manifestamente exagerado, se quiséssemos estabelecer uma relação entre a origem étnica dessa hierarquia religiosa e o peso das populações hispano-romanas e germânicas assentes na mesma área.
Os Visigodos nunca conseguiram centralizar a administração, dividida entre godos e hispânicos, criando, desta forma, as condições para a corrupção e o abuso de exacções, elementos que concorreram para que a generalidade da população os olhasse como estrangeiros opressores. Nas cidades a administração continuava idêntica à do último período imperial, mas as injustiças faziam-se sentir muito mais nos campos, onde os pobres e as glebas soçobravam perante os abusos e os encargos exercidos ou exigidos pelos grandes senhores terratenentes e pela fiscalidade visigoda, esta acrescida das alcavalas com que as magistraturas locais se locupletavam.
No século VII, apesar da legislação central, que procurava acabar com estes abusos, raros eram os ricos a pagar impostos, transferidos, sob diversos artifícios, para os mais pobres e desfavorecidos. E quando, em meados desse mesmo século, as reformas de Chindasvinto e de Recesvinto põem um ponto final na velha administração romana, tudo acabará como dantes.
A nova administração goda irá também atacar nos Concílios onde, apesar do peso dos bispos germânicos, continuava a haver uma maioria de prelados romanos. Recesvindo, em 653, alterará esta proporção, fazendo participar nestas assembleias os altos funcionários palatinos que, romanos ou godos, votavam de acordo com os interesses régios. A importância destas medidas é tanto maior, quanto sabemos que as decisões conciliares não se limitavam aos problemas de carácter religioso, abarcando igualmente as esferas do direito civil e da sociedade laica.


Glossário*
hospitalitas: sistema de distribuição de terras que vigorou entre o Império romano e os povos "bárbaros" que foram "aceites" dentro das suas fronteiras; este sistema funcionou aquando da instalação dos Visigodos no Sul da Gália e, posteriormente, pela própria iniciativa deste povo, já que o Império do Ocidente tinha deixado de existir, quando se transferiram da Gália para a Hispânia. Pelo sistema da hospitalitas, os Visigodos ficavam com dois terços da terra cultivável dos grandes proprietários hispano-romanos que, para além do restante terço, guardavam para si metade dos bosques e baldios e dois terços da força de trabalho humana.

Bibliografia
LIVERMORE, Harold V. (1976) — Orígenes de España y Portugal. 1ª ed. Barcelona: Aymá. 383 p. (Sumer/Etapas y Cumbres de la Humanidad). ISBN 84-209-0425-2.
PIEL, Joseph-Maria (1989) — Estudos de linguística histórica galego-portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 282 p. (Estudos Gerais / Série Universitária).
THOMPSON, E. A. (1990) — Los Godos en España. 3ª reimp. Madrid: Alianza Editorial. 448 p. (El Libro de Bolsillo / Humanidades; 321). ISBN 84-206-1321-5.

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