quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Aveiro

Desde o século XVI que o topónimo Aveiro tem merecido as mais desencontradas opiniões, misturando aspectos lendários e leituras pseudo-etimológicas. O nome de lugar aparece pela primeira vez num documento de 959, numa doação feita pela condessa Mumadona Dias ao mosteiro de Guimarães, de propriedades que tinha em Aveiro (Arquivo da Universidade de Coimbra, doc. 1 da Colecção da Colegiada de Guimarães; apógrafo do séc. XII):
terras in Alavario et Salinas que ibidem comparavimus in communiationes de prado alvar per suis terminis cum suos homines secundum in carta resonat. [terras em Alavario e salinas que ali comprámos, confrontando com Prado Alvar, pelos seus limites e com os seus homens, como consta da escritura.]
No documento em apreço, Alavario está como locativo, com o caso oblíquo precedido da preposição in, sem o acompanhamento do elemento genérico villa, ao contrário do que se verifica na quase totalidade dos topónimos mencionados neste diploma. Face ao que expomos, pensamos que o locativo Alavario se referia, em meados do século X, a uma região de casais dispersos e cabanas de marnoteiros, possivelmente um antigo fundus, sem o carácter de exploração rural centralizada que a documentação do século seguinte já lhe dá (um diploma de 1047 fala-nos já de villa Alaveiro), pelo que o aglomerado urbano só deverá começar a estruturar-se após as campanhas de Almançor, ou talvez depois da conquista definitiva de Montemor-o-Velho por Gonçalo Trastemires, em 1034, cuja jurisdição se estendia ao vale do Vouga.
No entanto não excluímos a possibilidade da "vila" ser muito anterior e ter sido entretanto destruída, o que poderia acontecer com as incursões normandas do século IX, documentadas desde 844, mantendo-se o topónimo para o respectivo território. Mas uma coisa são hipóteses mais ou menos verosímeis, e outra a pretensão de retirar dum documento algo que lá não está.
Os diplomas publicados por A. G. da Rocha Madaíl na Colectânea de Documentos Históricos, editada em 1959 pela Câmara Municipal de Aveiro, permitem-nos detectar a evolução do topónimo -- Alavario (959) > Alaveiro (1047) > Aaveiro (1131) > Aveiro (1216) --, mostrando a existência do -l- intervocálico e também a sua queda, comprovada na forma com hiato.
Quanto a nós, o Alavario de 959 é já a forma tabelionar latinizada de Alaveiro, dos documentos do século XI (1047, 1050 e 1077), porventura já presente no linguajar dos seus íncolas.
A origem do topónimo é certamente pré-romana, de matriz antroponímica, considerando os nomes pessoais pré-latinos Alabi (recolhido em Villamesías, Trujillo, província de Cáceres) ou Aleba (encontrado em Alcântara, Lisboa), possivelmente relacionados com o topónimo ibérico Alava, que aparece já com a forma Alaba no século II, quando Ptolomeu o inclui no rol das civitates dos Celtiberi (Geog., L. 2, cap. 5). Neste caso, o topónimo Alabi + -ario (>-eiro) > *Alabario > Alavario, poderia recuar pelo menos ao século II, quando já estava totalmente vulgarizado o uso do sufixo possessivo na formação dos nomes de possessores de fundi ou villae. Embora o sufixo mais usado fosse -anus, apareciam também, com o mesmo sentido, os sufixos -acus (Gália e outras zonas célticas), -obre (Galiza) e -eiro (Lusitânia). A marca do masculino, presente em Alavario, afastaria a hipótese de uma villa [Alavaria], mas estaria de acordo com um fundus Alavari(us>o), apelativo que designava uma propriedade rústica, com todos os seus pertences.

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