Na antiga Roma, até finais da República, usava-se o gentilício para indicar o parentesco com uma certa gens. Este antigo adjectivo — terminado em –ius, -ia, -ium (masculino, feminino e neutro) ou, mais raramente, em –enus —, agora parte do antropónimo romano (que incluía o prenome ou nome individual, o referido gentilício e o cognome, podendo ainda ter um ou mais sobrenomes, os chamados "agnomes"), servia também para identificar bens, obras ou actos do respectivo proprietário ou agente. Pertencem a este período formações como villa Aemilia (villa de Emílio, com Aemilia no feminino a concordar com villa), via Claudia (estrada de Cláudio, isto é, estrada mandada construir por Cláudio) e lex Canuleia (lei que se deve à iniciativa legislativa de Canuleio).
A partir dos finais da República romana, o uso dos gentilícios vai desaparecendo, substituído pelo sufixo possessivo –anus. Assim, a propriedade de um Emílio, que antes se denominaria fundus Aemilius, villa Aemilia, etc., receberia, nesta fase, o nome de fundus Aemilianus e villa Aemiliana. Na Gália e na Germânia romana proliferava então o sufixo celta –acus, com a mesma função de –anus, cujos vestígios podem ser hoje encontrados nos topónimos franceses em –ac, -at e alemães em –ach. Com a mesma função do –acus galo-germânico, era também possível encontrar o sufixo –obre, entre os Ártrabos do Noroeste hispânico, ou, na Lusitânia, o sufixo -eira/-eiro.
Na Hispânia, talvez entre os séculos V-VI, no período suevo-visigótico, começa a generalizar-se o uso do genitivo simples para denominar um prédio segundo o nome do seu proprietário, uma particularidade peninsular que desprezou a muleta do sufixo com valor topográfico. A tendência será para a simplificação, com total predomínio da forma elíptica — por ex.: Emili(i) — sobre a completa, que, neste caso, corresponderia a villa Emili(i). O fenómeno será de tal modo abrangente que acaba por absorver os nomes germânicos passíveis de latinização em –us, com genitivo em –i, o que leva a concluir pela sua extensão à língua falada, cujo onomástico deveria contar com "um sistema de dois casos, um em –o tirado do acusativo latino e com função de caso sujeito e regime, e outro possessivo, em –i (Piel, 1948: 14)". Este –i já devia pronunciar-se –e, emudecendo quando antecedido de r, l e c ou exercendo uma acção palatalizadora nos grupos –ni, -li, -ti e –di, que dariam lugar respectivamente a –nhe, -lhe, -ce e -je (Idem: 14-15).
Durante a Reconquista,
"a criação contínua de novos sobrenomes abrange os mais variados aspectos semânticos: nomes derivados de cores, de animais, de pedras preciosas, de coisas marítimas, de qualidades e defeitos morais e físicos, de dogmas e festas da Igreja, de virtudes cristãs, do nome de Deus, de sentimentos de alegria e humildade, de nomes étnicos, de profissões, etc. (Piel, 1948: 7)".
FERNANDES, A. de Almeida (1997) — Paróquias suevas e dioceses visigóticas. 2ª ed. Arouca: Associação para a Defesa da Cultura Arouquense. 178 p. ISBN 972-9474-11-7. (Interessa a 2ª edição, porque esta referência prende-se com o respectivo prefácio; a 1ª ed., mais completa, mas sem o prefácio que interessa ao assunto tratado, data de 1968, de Viana do Castelo, e é uma separata do "Arquivo do Alto Minho").
FONSECA, Fernando Venâncio Peixoto da (1985) — O Português entre as línguas do mundo (Situação, história, variedades). Coimbra: Livraria Almedina. 349 p. (Colecção Novalmedina; 58).
PIEL, Joseph M. (1937-1945) — Os nomes germânicos na toponímia portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos. 2 vol., 303 p.
PIEL, Joseph M. (1948) — Nomes de «possessores» latino-cristãos na toponímia asturo-galego-portuguesa. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 184 p. Separata de Biblos, vol. XXIII.
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