terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Antroponímia e toponímia (3): Árabes e Berberes

Na abertura do século VIII a Espanha visigótica atravessava uma grave crise social e política, agravada pelas concepções germânicas derivadas do papel da tribo e da sua articulação com a instituição real, que manteve o seu carácter electivo, apesar dos reis, nos últimos anos, associarem os filhos ao poder, com vista a assegurarem a sucessão hereditária. Neste panorama, "cada homem mantinha uma relação directa com o rei, a quem devia lealdade" (Watt, 1995: 17).
Para além desta realidade, geradora de conflitos entre facções contrárias, geralmente protagonizadas pelos adeptos da sucessão tradicional e da sucessão hereditária ad hoc, havia um descontentamento generalizado a nível popular, em virtude da sobrecarga tributária e das exacções correlativas. De certa forma, a Igreja contribuía para aprofundar este descontentamento, enquanto principal responsável, juntamente com alguns reis, pela perseguição desenfreada feita à numerosa comunidade judaica, que integrava os agentes mais notórios do comércio entre a Península e o espaço mediterrâneo. Os XVI e XVII Concílios de Toledo, realizados em 693 e 694, foram particularmente duros para os judeus hispânicos, proibidos de praticar o comércio ultramarino ou mercanciar com cristãos, salvo se aderissem à fé católica, e, noutros casos, reduzidos à escravatura conjuntamente com as respectivas famílias (Thompson, 1990: 280-283).
Com a morte de Vitiza em 710, que já governava associado ao pai — o rei Egica (687-702) —, o poder caiu nas mãos de Rodrigo, elevado ao trono, conforme a tradição goda, por uma assembleia de nobres e de altos funcionários palatinos. De fora ficava o presumível sucessor Agila, apoiado pela Igreja e filho do monarca anterior, que o nomeara dux da Tarraconense, lugar que continuou a ocupar, "e incluso acuñó moneda como si fuera un soberano independiente":
La debilidad del reino visigodo puede atribuir-se, así, pues, a tres factores principales: las divisiones entre las clases elevadas acerca de la sucesión del reino; el descontento de los demás sectores sociales ante los privilegios de las clases superiores, y, por tanto, la dudosa fidelidad del ejército; e, finalmente, la persecución contra los judíos. (Watt, 1995: 18).
Provavelmente a invasão islâmica de 711, dirigida por Tárique ibne Ziade e Muça ibne Noçáir, terá algo a ver com a perseguição à comunidade judaica da Península, que contava com poderosos aliados na sua congénere norte-africana, talvez o intermediário que convenceu o Califado de Damasco a intervir na Hispânia.
Considerando estes pressupostos, compreende-se o sucesso da incursão e a forma favorável como foi recebida, quer por um sector da aristocracia dominante, quer pela maioria esmagadora da população hispano-romana, que dificilmente esperaria piores dias dos recém-chegados dominadores. Não encontramos outra justificação para a rápida conquista da quase totalidade da Península, com um exército inicial de cerca de sete mil homens, a que se juntaram, pouco depois, mais cinco mil. Foi com estes doze mil homens em armas, grupo heterogéneo de árabes, sírios e egípcios, mas sobretudo berberes, que Tárique desbaratou as tropas do rei Rodrigo que, abandonado por parte do seu exército, veio a sucumbir nesta batalha.
Tárique avançou de seguida sobre Córdova, conquistou depois Toledo, quase sem resistência, e terá mesmo feito um avanço de reconhecimento até Saragoça, regressando a Toledo onde passou o Inverno. No ano seguinte chegou Muça ibne Noçáir, o governador da província do Noroeste de África, à frente de um exército de dezoito mil árabes. Em 714 os dois exércitos tinham conquistado a Hispânia de Sul a Norte, incluindo Aragão e uma boa parte das Astúrias, mas o Noroeste quase não fora penetrado, situação que ainda se verificará em 715, depois das conquistas de Abde Alaziz, assassinado nesse ano, o filho de Muça que ficara a governar a nova província, na sequência da chamada a Damasco de seu pai e de Tárique (Watt, 1995: 20-22).
E assim a Hispânia se transformou no al-Andaluz, corruptela de Vandalicia — a terra dos Vândalos — que, ao designar o território sob domínio muçulmano, foi paulatinamente encolhendo nos séculos seguintes, à medida que a Reconquista* avançava das Astúrias para Sul.
A presença islâmica na Península trouxe uma melhoria substancial no que concerne às estruturas administrativas, o mesmo se podendo dizer em relação ao peso tributário que recaía sobre a generalidade do povo, fosse ele dos campos ou das cidades. Era esta, aliás, a prática seguida pelo Califado ao longo do imenso território que controlava, desde o Punjab, no subcontinente indiano, à Ibéria, passando pela Península Arábica e pelo domínio do Golfo Pérsico e Mar Vermelho, as ligações do Índico à Rota da Seda e ao Mediterrâneo, também ele abraçado pelo Islão nas margens do Leste, Sul e Ocidente.
Os árabes eram igualmente muito tolerantes face à religião, principalmente quando se tratava de cristãos e judeus, cujas religiões reveladas eram olhadas como precursoras da revelação final, a de Alá a Maomé. Daí que estas comunidades pudessem continuar a praticar os respectivos cultos, sujeitas à sua própria hierarquia e magistraturas, responsáveis perante o conquistador pela arrecadação de impostos e administração da justiça.
Os árabes, eles próprios divididos tribalmente, constituíam uma minoria entre os invasores, um amálgama mal cozinhado de povos e etnias, em que se destacavam, numericamente, os berberes semipagãos, ciosos da sua ancestral cultura e durante muito tempo integrados nas províncias romanas do Norte de África. E terá sido a conflitualidade latente, entre árabes, egípcios, sírios e berberes, a responsável por assentamentos separados que, lentamente, foram ganhando foros de autonomia, apoiados pelas idiossincrasias locais que, de uma forma ou outra, tinham resistido às influências de aculturação e de governo, fossem elas romanas ou visigodas.

Glossário*
Reconquista: nome que geralmente se dá à recuperação do território hispânico depois da invasão muçulmana, desde a revolta de Pelágio (718) até à conquista de Granada (1492). Embora inicialmente a Reconquista não tivesse revestido um carácter marcadamente religioso, a influência de ideias francesas, da cúria papal e das ordens militares acabará por introduzir na Península o espírito de cruzada.

Bibliografia
LIVERMORE, Harold V. (1976) — Orígenes de España y Portugal. 1ª ed. Barcelona: Aymá. 383 p. (Sumer/Etapas y Cumbres de la Humanidad). ISBN 84-209-0425-2.
PIEL, Joseph-Maria (1989) — Estudos de linguística histórica galego-portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 282 p. (Estudos Gerais / Série Universitária).
THOMPSON, E. A. (1990) — Los Godos en España. 3ª reimp. Madrid: Alianza Editorial. 448 p. (El Libro de Bolsillo / Humanidades; 321).
ISBN 84-206-1321-5.
WATT, W. Montgomery (1995) – Historia de la España Islámica. 10ª reimp. Madrid: Alianza Editorial.
209 p. (El Libro de Bolsillo / Humanidades; 244). ISBN 84-206-1244-8.

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