domingo, 4 de fevereiro de 2007

Alfândegas e algares: covas e barrancos a falar hispano-árabe

Alfândega da Fé, encravada num dos vales da bacia do Sabor, será um dos topónimos que dão razão ao povo, quando afirma que "as aparências iludem". Na verdade, perante o lugar identificado por esta denominação, apenas a grafia aponta o vulgar sentido da voz "alfândega". O mesmo acontece com os topónimos Alfandanga, Alfandaque, Quinta da Alfândega, Vale da Alfândega, e duas Fandega, respectivamente nos concelhos de Olhão, Penacova, Terras de Bouro, Aveiro e Seia (nas freguesias de Loriga e Vide).
A origem provável de todos estes topónimos será o árabe al-jándiga, "o barranco", que também aparece na Galiza sob a forma Alfándiga (concelho de Pantón). A evolução explica-se por atracção paronímica com "alfândega", esta do hispano-árabe al-fundaq, do árabe clássico al-funduq.
Porventura, será também esta a origem do topónimo castelhano Fondeguilla ou Alfondeguilla, da comarca castelhana de Plana Baja, pesem embora outras opiniões (Celdrán, 2002: 333)

O topónimo Algar e os seus derivados, isolados ou integrados em expressões toponímicas, ocorrem mais de meia centena de vezes no território português, do Mondego ao Algarve, salvo uma ou outra excepção a Norte, verificando-se uma especial concentração na faixa entre Mondego e Tejo. Para além de Algar e Algares, encontrámos os derivados Algarão, Algarinho, Algarinhos, Algardoiro, Algueirão, Algueirinhos, Algueireiras e Algueireirinhas, mas haverá muito mais na microtoponímia local.
Subindo à Galiza, inventariámos Algar, dois Algara, A Algara, dois A Algaria e A Algueira, respectivamente nos concelhos de Outeiro de Rei, Cospeito e Vilalba, Carballo, Boimorto e Val do Dubra e Sober.
No restante território espanhol também se acham alguns topónimos desta família, sejam três ocorrências de Algar (Molina, Sagunto e Callosa de Ensarriá), duas de El Algar (Sagunto e Cartagena), Santa María de Guadalupe de Algar (Arcos de la Frontera) e Algarinejo (Loja, Granada), e muitos outros haverá.
O étimo desta toponímia pertence ao superestrato árabe, concretamente ao hispano-árabe algar, do árabe clássico gār "cova, barranco", que entrou no português e no castelhano sob a forma "algar", significando "barranco, despenhadeiro, cova, gruta"
Os derivados alguei- poderão assentar numa formação popular, por atracção paronímica com "alqueire" (temos um Alqueirinhos em Tavira), mas o mais provável residirá na influência do plural árabe de al-gār, a voz árabe al-geirān, donde deriva directamente o topónimo "Algueirão". Neste último caso o topónimo pressupõe o bilinguismo, o mesmo é dizer que estaríamos perante uma formação moçárabe.

CELDRÁN, Pancracio (2002) — Diccionario de topónimos españoles y sus gentilicios. Madrid: Espasa. XVIII, 1059 p. ISBN 84-670-0146-1.
MACHADO, José Pedro (1997) — Vocabulário português de origem árabe. Lisboa: Círculo de Leitores. 139 p. ISBN 972-42-1709-4.
MORALEJO LASSO, Abelardo (1977) — Toponimia gallega y leonesa. Santiago de Compostela: Editorial Pico Sacro. 382 p. (Biblioteca de Bolsillo; 14). ISBN 84-85170-20-2.
NIETO BALLESTER, Emilio (1997) —
Breve diccionario de topónimos españoles. Colab. de Araceli Striano Corrochano. 1ª ed. Madrid: Alianza Editorial. 447 p. ISBN 84-206-9487-8.

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