terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Tomada, Tomadia e o verbo "tomar"

Detectámos três dezenas de ocorrências dos topónimos Tomada, Tomadas e Tomadinha, quase todas a Norte do rio Douro, mas a inclusão de Tomadia e Tomadias (13 ocorrências) desloca aquela fronteira para o rio Vouga.
Na Galiza, identificámos sete ocorrências A Tomada (nas paróquias de Borreiros, O Caramiñal, Lesón, Figueiró, Taborda, Navia, Saiáns), duas As Tomadas (nas paróquias de Chandebrito e A Ramallosa) e uma Tomade (na paróquia de A Torre), com a terminação -e a indiciar influência moçarábica.
Numa primeira abordagem, podemos identificar a área de predomínio desta toponímia com o território que viu nascer os falares galaico-portugueses e que, séculos antes, correspondeu ao reino germânico dos Suevos.

Estamos perante agrotopónimos referentes a arroteias que recuam, pelo menos, à Idade Média. Com efeito, no foral manuelino de Ílhavo (1514) o termo "tomadas" refere-se aos arroteamentos feitos em terrenos maninhos, exprimindo o sentido de acto ou efeito de tomar ou de se apoderar de alguma coisa:
«E os maninhos em Jlheuo [Ílhavo] toma os quem quer com o foro da terra [...] porem [...] se nam tomaram os dictos maninhos sem primeiro serem Justificados nas camaras dos comçelhos se sam nas saida e logramentos doutros cassaes […]: E Aalem do foro da terra que dos dictos maninhos se paguara paguar se am soomente das cassas que nouamente se fizerem nas dictas tomadas a que chamam cabanarias [...]» (Madaíl, 1959: 266).
O mesmo sentido, de acto ou efeito de tomar, é dado à voz "tomadias", título de uma das verbas do foral manuelino de Eixo e Requeixo (1516), mas aqui referido às exacções senhoriais na apropriação ilegítima de corveias ou produtos da terra (Madaíl, 1959: 309). É nesta acepção que encontramos o registo desta fala no Elucidário de Viterbo:
«Direito de tomar mantimentos, roupas, etc., sem pagar a seus donos cousa alguma, que abusivamente se praticava entre os senhorios e os seus vassalos ou colonos» (vol. 2, p. 611).
"Tomada", substantivação do feminino do particípio passado do verbo "tomar", e o seu derivado "tomadia", por junção do sufixo ‑ia, designando a acção ou o seu efeito, são duas falas ainda vivas na nossa língua.
O verbo "tomar", nos seus diferentes significados, deverá responder ao cruzamento de origens célticas e germânicas. Nas línguas célticas destacamos as vozes gaélicas tomhas — "lida, labuta, faina, trabalho difícil, trabalho duro", mas também "significado, significação, sentido, acepção, ideia, intenção, propósito" — e tomh, "oferta, oferecimento, acção de oferecer, aquilo que se oferece", como igualmente "tentativa, esforço, ataque", ou ainda "ameaçar, proferir ameaças, pôr em perigo, avisar, prenunciar, pressagiar, estar iminente". Quanto às línguas germânicas, assinalamos o extinto gótico tamjan "amansar, domar, domesticar, subjugar, abater, submeter" e, no faroense e islandês, as duas línguas mais próximas dos primitivos falares germânicos, a fala temja "amansar, domar, domesticar, controlar".
Perante o manancial semântico destas vozes, duas gaélicas e duas germânicas, parece-nos possível a substituição da fórmula «origem duvidosa», encontrada na maior parte dos nossos dicionários para ilustrar a etimologia de "tomar".

Bibliografia:
MADAÍL, António Gomes da Rocha, ed. (1959) — Milenário de Aveiro: Colectânea de documentos históricos I (959-1516). Aveiro: Câmara Municipal. 330 p.
SANTA ROSA DE VITERBO, Joaquim de (1983-) – Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram... 2ª ed. crítica por Mário Fiúza. Porto: Livraria Civilização, 1983-1984. 2 vol.

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