terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

À espreita do inimigo: Almear, Almenara, Almiara

ALMEAR (lugar da freguesia de Travassô, Águeda), ALMIARAS (freguesia de Abrunheira, Montemor-o-Velho) ALMENARA (freguesia de Mata de Lobos, Figueira de Castelo Rodrigo), PRADOS DE ALMENARA (freguesia de Mata de Lobos, Figueira de Castelo Rodrigo), QUINTA DA ALMIARA (freguesia de Verride, Montemor-o-Velho; freguesia de Ventosa, Torres Vedras).

"Almenara", do árabe al-menara, é a forma registada pelos dicionaristas com o significado de lanterna, farol ou fogos de aviso. Como nos diz o Houaiss, uma almenara é o "farol ou fogueira que, colocados em torres e outros lugares elevados, emitiam sinais que podiam ser avistados de consideráveis distâncias", ou ainda, por metonímia, a "torre [ou os lugares elevados] de onde esses sinais eram enviados".
É com o primeiro destes sentidos que encontramos o vocábulo em Fernão Lopes, quando, na Crónica de D. João I (vol. 1, cap. 136), afirma que "faziam do logar [de Almada] toda a noite ao Mestre muitas almenaras".
Segundo Mário Fiúza (Elucidário, 1: 398), a manutenção do -n- intervocálico, em pleno século XV, «prova-nos que o vocábulo foi importado pelo castelhano Almenara, "señal que se hace con fuego en lugar elevado" que se regista desde 1250». No entanto, as formas sem -n- — "Almiar" ou "Almear", "Almiara" e "Almiaras" —, dos topónimos dos concelhos de Águeda, Montemor-o-Velho e Torres Vedras, legitimam a hipótese de recepção anterior do vocábulo que, quanto a nós, poderá ter sido directamente importado do árabe, já no século VIII, antes da queda do -n- intervocálico. O topónimo Almear, do concelho de Águeda, que a Carta Militar 1/25.000 grafa com -e- e localiza erroneamente na freguesia de Eirol do concelho de Aveiro, já aparecia sob a forma "Almeara", sem o -n- intervocálico, nas inquirições de D. Afonso II, de 1220 (Borralha, 1936: 288).
Estes topónimos têm em comum a localização num ponto elevado, dominando uma vasta área a que, em tempos mais ou menos remotos, foi reconhecida uma relativa importância estratégica. Assim, o lugar de "Almear", da freguesia de Travassô, domina a desembocadura do Águeda no Vouga, toda a campina que rodeia esta parte do curso dos dois rios, e ainda a passagem que aqui franqueia o rio Águeda, servida por ponte desde a Idade Média, a Ponte da Rata que, nos finais do século XIII, ainda se chamava "Ponte de Almeara" (Krus, 1993: 151).
"Almiaras", no concelho de Montemor-o-Velho, aloja-se no alto de um monte, dominando as entradas na foz do Mondego e do Arunca e as aproximações a Montemor. "Almenara", com a permanência do -n- intervocálico, a indiciar falas leonesas, alcandora-se a cerca de 650 metros de altitude, próximo da fronteira, vigiando os caminhos dos vales que conduzem a Figueira de Castelo Rodrigo.
Por corresponder a uma realidade transitória, é de rejeitar a toponimização do também dicionarizado "almiara", com o significado de "certa porção de palha presa à volta de uma vara vertical que lhe serve de eixo", do árabe al-míár, plural de al-mírâ "aprovisionamento, monte de cereal". Não vemos como um monte de palha possa dar o nome a um lugar.
Em Castela e Catalunha encontramos também este topónimo, sob as formas Almenar e Almenara, mas não encontrámos qualquer rasto dele na Galiza.

BAPTISTA, Augusto Soares de Sousa (1959) — Ponte de Almeara. In Arquivo do Distrito de Aveiro. Aveiro: Francisco Ferreira Neves. Vol. 25, n.º 97 (1959), p. 47-54.
BORRALHA, Conde da (1936) — Inquirições de D. Afonso II no Distrito de Aveiro: Francisco Ferreira Neves. In Arquivo do Distrito de Aveiro. Aveiro. Vol. 2, nº 7 (1936), p. 243-244; vol. 2, nº 8 (1936), p. 285-291
CELDRÁN, Pancracio (2002) — Diccionario de topónimos españoles y sus gentilicios. Madrid: Espasa. XVIII, 1059 p. ISBN 84-670-0146-1
ELUCIDÁRIO. Vd. SANTA ROSA DE VITERBO, Joaquim de (1983-1984) — Elucidário…
FRAZÃO, A. C. Amaral (1981) — Novo dicionário corográfico de Portugal: Continente e Ilhas Adjacentes. Ed. aum., rev. e actual. por A. A. Dinis Cabral. Porto: Editorial Domingos Barreira. 1040 p.
KRUS, Luís (1993) — D. Dinis e a herança dos Sousas: o inquérito régio de 1287. Estudos Medievais. Porto: Centro de Estudos Humanísticos. Nº 10(1993), p. 119-158.
SANTA ROSA DE VITERBO, Joaquim de (1983-1984) — Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram… 2ª ed. crítica por Mário Fiúza. Porto: Livraria Civilização, 1983-1984. 2 vol. [Nas citações usamos, em vez do nome do autor, a primeira palavra do título — Elucidário — seguida dos números correspondentes ao volume e página]

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