segunda-feira, 20 de agosto de 2007

CHECOSLOVÁQUIA: 20 de Agosto de 1968

K. au poteau!

Choro por ti, Checoslováquia,
caminhos de assombros,
encruzilhada de medos
terra calcada por todos os ditadores do Erro,
chave da Europa à mercê dos ladrões!
Que culpa terás de ser mais evoluída?!

de teres a capitação de 1200 dólares,
e, a URSS, a de 980 apenas?...
Choro por ti, Checoslováquia,
irmã gémea e lutuosa do Vietname, —
os dois pinhais da Azambuja!
Meu amigo Zdenek,
que traduziste o Camões e o Eça,
e vieste ao meu encontro numa rua de Aveiro,
só porque tinhas, lá longe,
um mau retrato meu! —
Que posso fazer pelos teus?!
Choro por ti, Checoslováquia,

vítima da cupidez nazista
e dos seus post-justiceiros, — os filisteus estalineptos!
Se tiver de morrer «errado»,
morrerei como tu, Checoslováquia,
socialista socialienado!...
Foram cem os erros (já) do socialismo!?
Fossem cem mil — e socialistas seríamos!
Choro por ti, Checoslováquia:
manda que o faça o futuro!,
exige que o reprima o presente,

ironia trágica e pútrida!
Escarro vivo

de cintilantes sóis,
noite gelada
de rumorosa manhã…

Fátuo ser
!
Poteau...
K!

Mário Sacramento, 1968


1968: «PRIMAVERA DE PRAGA» Quando a Checoslováquia pretendeu enveredar por um socialismo de rosto humano, atento às liberdades individuais, a URSS e os tanques do Pacto de Varsóvia responderam com a invasão de 20 de Agosto de 1968. Mário Sacramento deixou a sua amargura nas páginas do seu Diário, que viria a ser publicado em 1975, exprobrado desses escritos. As páginas «censuradas», em que se inclui o poema K. au poteau! foram publicados em 1990 no semanário O Jornal, por vontade expressa da viúva de Mário Sacramento [Sacramento, Mário – K. au poteau! O Jornal (5 Jan.1990) p. 31].


Interpretação do título do poema:

Коммунизм [Kommuniem «comunismo»]

Au poteau! À morte! (grito de ameaça)

Poteau du condamné; poteau d'exécution: poste a que se amarra alguém que vai ser fuzilado.

No poema corresponde ao sentido figurado da expressão mettre [ou exposer] quelqu'un au poteau, isto é, expor alguém ao desprezo público, à indignação pública.

1 comentário:

Luis Eme disse...

Este espaço é uma excelente ideia.

Parabéns!