domingo, 4 de março de 2007

A magia das luzes: Alumieira, Lumiar (1)

ALUMIEIRA (lugares das freguesias de Esgueira e Loureiro, respectivamente nos concelhos de Aveiro e Oliveira de Azeméis), LUMIAR (lugar da freguesia de Pelmá, no concelho de Alvaiázere; vértice geodésico e freguesia no concelho de Lisboa; monte na freguesia de S. Vicente, no concelho de Chaves), LUMIARES (vértice geodésico na freguesia de São Martinho das Chãs e lugar na freguesia de Santa Cruz, no concelho de Armamar), PEDRA DE LUMIAR (vértice geodésico na freguesia e concelho de Góis) e RIBEIRA DO LUMIAR (ribeira na freguesia e concelho de Góis); LUMEARES DA CIDADELLA (monte na Galiza), AS LUMIEIRAS (lugar da paróquia de Millán, Galiza).
NOSSA SENHORA DA ALUMIEIRA: capelas no lugar de Alumieira da freguesia de Esgueira, e no lugar de Taipa da freguesia de Requeixo, uma e outra no concelho de Aveiro; capela no lugar de Landiosa, na freguesia de Aguada de Baixo do concelho de Águeda; capela no lugar de Lavandeira, na freguesia e concelho de Oliveira do Bairro; capela no lugar de Alumieira, na freguesia de Loureiro do concelho de Oliveira de Azeméis. O orago da capela do lugar de Taipa (Requeixo, Aveiro) é conhecido localmente pela forma sincopada de Nossa Senhora da ALMIEIRA.

Enquanto a forma "Lumiar" se manteve despida de quaisquer acrescentos, já o parente (?) "Lumieira", quando emprestado à toponímia, pelo menos em Portugal, apresenta-se sempre sob a forma prostética "Alumieira", ou, para sermos mais precisos, com a coalescência do artigo definido a, fenómeno fonético que nada lhe acrescenta em termos de significado, limitando-se a facilitar a respectiva articulação.
Os mais atentos já estarão a reclamar, chamando à colação o topónimo ALUMIARA, lugar da freguesia de Canidelo, concelho de Vila Nova de Gaia. Contudo, o que a este se acrescentou não foi o a- inicial, mas sim o -u- interconsonântico, aqui colocado pelo tempo e pelo povo por contaminação de "alumiar". Com efeito, o lugar de "Alumiara", alcandorado no alto de uma colina com cerca de 70 metros de altitude, ocupando uma posição donde é possível observar as entradas e saídas da barra do Douro, integra-se na família "Almiara", do árabe al-menara, pelo que deveria ter sido incluído na postagem do passado dia 27 de Fevereiro, se a forma o não tivesse escondido quando, na Carta Militar, fizemos a pesquisa a partir de alm-. Daí ser importante a investigação de base documental, que ajuda a separar as águas e a estruturar cientificamente o estudo toponímico, já que torna possível encontrar as grafias antigas, indispensáveis à descoberta de étimos que, muitas vezes, estão completamente escondidos sob as formas actuais. O motivo de todo este arrazoado centra-se em documentação do século XII, do Cartulário Baio-Ferrado do Mosteiro de Grijó, onde a careca do topónimo é posta ao léu, através das formas "Almeara" (1145 e 1152) e "Almenara" (1152, 1156) (vd. Durand, 1971: 25, 37, 222). Portanto, a evolução etimológica deste topónimo teria seguido o percurso Almenara > Almeara > Almiara > Al(u)miara.
Quanto ao topónimo "Alumieira", ainda se mantém vivo em português o apelativo derivado do mesmo étimo. Referimo-nos às falas "lumieira" , com o significado, entre outros, de "fogueira, fogo, lume" ou "archote, facho" (Machado, 1991), e "lumeeira", com o mesmo sentido (Houaiss, 2003), do plural neutro latino luminaria [> *lumineira > lumeeira (séc. XIII) > lumieira (séc. XV)].
Pelo que fica dito, vimos como a voz "lumieira" (étimo latino) anda semanticamente aparentada a "almenara", "atalaia" (étimos árabes) e "facho" (étimo latino), embora não tenha tido o êxito toponímico destes últimos.
No âmbito da etimologia, o problema complica-se quando nos reportamos a "Lumiar", fala que pode ter tido origem em dois étimos diferentes. Um dos étimos poderia corresponder ao latim luminare "luz, candeia, archote", singular do atrás referido luminaria; o outro, mais de acordo com os testemunhos históricos da língua, radicaria no latim liminare, adjectivo derivado do substantivo limen, liminis "soleira da porta; porta, entrada; casa, morada; limites, fronteiras", nome que os antigos latinos ligavam semanticamente a limes, limitis "caminho que limitava uma propriedade; limite, fronteira; caminho, atalho, estrada; leito dum rio, rego; muralha, muro de defesa".
O substantivo "lumiar" (também com a grafia lomear) já aparece no século XIV, com o significado de soleira da porta (Cunha, 2002). No primeiro quartel do século XVIII continuamos a encontrar o registo "Lumiar da porta: Entrada da porta" com chamada ao verbete "Liminar" (Bluteau, 1716: vol. 5, p. 203), no qual podemos ler:
"Liminar, ou Lumiar. A parte inferior, ou o chão da porta. Limen, inis. [...] Esta palavra Liminar, vem do Latim Limen, que significava a porta de um Templo, e algumas vezes o mesmo Templo; donde nasce que se dizia que os Peregrinos iam Ad limina Apostolorum, em lugar de dizer que iam visitar os lugares Santos. Também chamavam Liminares os nichos em que se colocavam estátuas, porque havia muitos deles nas entradas dos Templos" (Bluteau, 1716, Vol. 5, p. 130).
No primeiro volume desta mesma obra, encontramos, sub verbo "ALUMIAR: Fazer luz; quando se fala no Sol, em uma tocha, em uma candeia, etc. [...]". E, um pouco mais à frente, "Alumiar (termo de parida): Porque a criatura antes de nascer está no ventre materno como em um cárcere escuro e sem luz" (Bluteau, 1712, Vol. 1, p. 309).

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bibliografia:
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1 comentário:

Alexandre Rodrigues disse...

Caro Manuel... algum tempo de silêncio é certo, mas estive a preparar a Archeologica que já se encontra pronta a funcionar. Tenho andado a disseminar a seguinte mensagem: "Convido-o (e a todos os que visitam este blogue) a conhecer e a participar num novo projecto na área das novas tecnologias e da arqueologia.
O projecto tem o nome de Archeologica e trata-se de um website em formato wiki, de utilização livre...
Visite e obtenha mais informações aqui: http://ocaco.net/blog/?p=190 ou em http://archeologica.ocaco.net"

Portanto, já sabe, podemos começar... :)