sexta-feira, 2 de março de 2007

Espreitar o inimigo, guiar os marinheiros, honrar a divindade: o Facho

Alto da Facha, Alto do Facho, Azenhas do Facho, Barragem do Facho, Cabeço do Facho, Cara do Facho, Casal do Facho, Corga dos Facheiros, Coto dos Fachos (Galiza), Cruz da Facha, Cruz do Facho, Cruzeiro do Facho, Descida do Facho, El Facho (Castela e Leão), Fachada, Fachal, Facheiros, Facho (Portugal continental, Açores, Madeira e Galiza), Facho da Azóia, Facho da Ponte, Fonte do Facho (Açores), Fragas do Facho, Malhada do Facho, Moinho do Facho, Monte do Facho, O Facho (Galiza), Outeiro do Facho, Pedra Facha (Galiza), Pico do Fachial (Açores), Pico do Facho (Madeira), Ponta do Facho (Açores), Quinta do Facho, Ribeiro dos Facheiros, Rio Abade do Fachedo (Galiza), Senhora do Facho, Serra do Facho.

"Facho", com o significado de "archote, luzeiro, lanterna", do latim *fasculo-, diminutivo de fax, facis, "tocha" e, por metonímia, o lugar onde se acendem esses fogos, é o étimo de mais de uma centena de topónimos portugueses e espanhóis. A Carta Militar 1/25.000 dá-nos 116 ocorrências para o continente e ilhas, apresentando mais 13 no lado espanhol, junto da fronteira, na Galiza e em Castela e Leão.
Ao contrário do que apurámos no estudo de "Atalaia", nome de origem árabe e concentrado no Sul do território nacional, o topónimo Facho está sobretudo presente a Norte do rio Douro (58%) e nos arquipélagos atlânticos (13%). Os distritos a Sul do Douro quase não registam ocorrências e, pelo menos algumas delas, serão de origem antroponímica.
Pinho Leal, depois de confundir Lusitanos com Árabes, define "facho" como o "fogo artificial, convencionado, aceso em uma eminência, para indicar a aproximação do inimigo", acrescentando que este sistema ainda se usou na Guerra Peninsular (1808-1814), havendo "companhias, com oficiais, sargentos e soldados (chamadas companhias do facho) cuja obrigação era fornecerem combustível para o facho, guardarem-no, acenderem-no, etc. segundo as instruções recebidas" (Leal, 1874: v. 3, p. 131).
Detectam-se ainda algumas ocorrências no litoral, em Viana do Castelo, Vila do Conde, Matosinhos, Foz do Arelho, Torres Vedras (dominando a zona do Porto da Azenha), frente ao Cabo da Roca (Sintra) e à Praia dos Coxos (Mafra), perto da Fonte da Telha (Almada) e nos concelhos de Sesimbra e Portimão, localizações que tanto serviam para observação marítima como para protecção das actividades piscatórias.
Com efeito, se consultarmos a EGU, encontramos a definição de "facho" como a "fogueira que se facía num lugar elevado na costa ou no interior para honrar unha festividade ou para servir de sinal ou guía ós mariñeiros", ou "lugar elevado onde se prendía unha fogueira que servía de guía ós mariñeiros" (Ledo Cabido: vol. 8, p. 515).
A definição da EGU, ao mencionar a função de "honrar unha festividade", abre a pista para outra das atribuições de muitos destes lugares, principalmente os sítios desabitados no alto dos montes. Embora voltemos a este assunto na próxima postagem, quando estudarmos um outro topónimo aparentado com os já tratados "Almenara", "Atalaia" e este "Facho", podemos desde já avançar que se trata de manifestações das velhas liturgias pagãs, anteriores à entrada do cristianismo na Península e que a hierarquia da Igreja combate desde há vários séculos, como transparece dos escritos de S. Martinho de Dume (séc. VI) e dos cânones do II Concílio de Braga de 572.

Bibliografia:
LEAL, Augusto Soares d' Azevedo Barbosa de Pinho; FERREIRA, Pedro Augusto (1873-1890) —
Portugal antigo e moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira. 12 vol.
LEDO CABIDO, Bieito (dir.) (1999-2006) —
Enciclopedia Galega Universal. Vigo: Ir Indo Edicións. 16 vol. ISBN 84-7680-288-9.
PEREIRA, [João Manuel] Esteves; RODRIGUES, Guilherme (1904-1915) —
Portugal: diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico… Lisboa: João Romano Torres, vol. 3, p. 258.

3 comentários:

cneirac disse...

Gostaría de saber a sua opiniom acerca do topônimo galego da illa de A Toxa (deturpado em castelám como "La Toja").

Com o tempo cheguei à conclusom de ter o mesmo significado que uma tocha em portugués (a pronúncia é aproximadamente a mesma).

Curiosamente, a ignorância e a influencia do castelám teriam varrido da populaçom galega este significado tam transparente além Minho.

Obrigado.

Manuel Carvalho disse...

Nunca tinha pensado neste topónimo, apesar de haver uma freguesia da "Tocha" no concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra. Estou a preparar uma postagem sobre a nossa Tocha, a vossa A Toxa, e outras que estão a aparecer para lá dos Pirinéus.
Obrigado pela oportunidade.

Luiza Frazao disse...

As minhas investigações levaram-me a concluir que culto à deusa celta Brígida/Brigântia está ligado a estas torres onde ardia a sua chama sagrada e protetora. Um outro nome ou avatar dela parece ser Iria/Aire/Eyreia/Eria/Areia(s)/Eira(s). Assim, em La Coruña, que se chamou Brigantium, o famoso farol ou torre foi construído num lugar chamado Ponta de Eiras...